Esqueça os caninos protuberantes, capas, água benta, estacas de madeira e outras parafernálias. Fome de viver faz uma abordagem sexy e dramática de um dos principais aspectos do universo vampiresco: a imortalidade. A grande sacada da história, baseada no livro de Whitley Strieber, é alterar ligeiramente a mitologia à qual estamos acostumados, na qual cada mordida equivale ao surgimento de uma criatura à imagem e semelhança de seu criador. Num primeiro momento, o casal Blaylock, que caça anonimamente e com muito estilo (para os anos 80, lembrem-se) nas boates novaiorquinas quando a fome aperta, reforça essa impressão. Juntos, eles escolhem suas presas, alimentam-se apropriadamente e, já ao amanhecer, trocam juras de amor eterno.
Somente mais tarde descobrimos que a juventude permanente é privilégio apenas de Miriam, vivida pela diva Catherine Deneuve. Seu parceiro, John (David Bowie), envelhece rapidamente, como todos os amantes anteriores dela, seres híbridos, aparentemente dotados de um dom único, que foram condenados a um fim mais cruel e doloroso que a própria morte. O viço, o charme e a beleza se foram. Com eles, o desejo também. O sr. Blaylock não é mais desejável. Plenamente justificáveis sua decepção e sua revolta: "Você me disse que seria pra sempre!". Poderia ser apenas o lamento de um homem com o coração partido, mas é bem mais que isso. É a constatação de que fora enganado, de que a sua existência é finita, como a de qualquer reles mortal, e de que a natureza, implacável, não gosta de ser contrariada.
Desesperado por uma solução, John pede socorro à doutora Sarah Roberts (Susan Sarandon), mas já é tarde demais. Agora, a médica se vê envolvida numa trama de sedução que não é tão inocente quanto parece. Difícil escapar de uma predadora com séculos de experiência... e que não só a tira de rumo quanto muda sua vida radicalmente. Percebemos aqui o encerramento de um ciclo e o nascimento de um novo, num círculo vicioso previsto para durar por toda a eternidade. E é nesse ponto que os sentimentos envolvidos podem não ser tão nobres quanto aparentavam.
Miriam, uma personagem cada vez mais intrigante, vai alternando os papéis de vítima de uma maldição milenar e algoz. Ela realmente amava John? Seu sofrimento é real ou tudo não passa de mais um passatempo para amenizar sua solidão? Catherine Deneuve constrói uma personagem enigmática, comedida ao extremo, que não se excede nunca, que preza pelas aparências acima de tudo. Além disso, a excelente montagem do filme nos faz pensar: assim como os macacos que fizeram parte das experiências conduzidas por Sarah, John e todas as outras pessoas usadas pela bela vampira não teriam sido apenas usados para satisfazê-la e afastá-la do tédio que é viver eternamente?
A fotografia escura e a delicada trilha sonora ajudam a criar o clima perfeito para a enigmática narrativa. O único senão fica mesmo pela solução final do roteiro, um tanto simplória e incoerente com a própria mitologia. A tal vingança do desfecho carecia de um pouco mais de explicações para ser minimamente convincente. Se os vampiros são eternos insatisfeitos, por que não podemos ser também?
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