Uma garota pobre e um garoto rico se apaixonam e precisam enfrentar o preconceito dos amigos para ficarem juntos. A sinopse até está correta, mas não chega nem perto de traduzir o espírito de A garota de rosa-shocking, outro clássico da filmografia de John Hughes (desta vez como roteirista) que ajudou a tornar Molly Ringwald a heroína da minha adolescência. Ainda bem que o filme é bem mais do que isso.
Andie é uma estudante de classe baixa que precisa se adaptar ao colégio de riquinhos que frequenta. Autêntica e de personalidade forte, ela não abaixa a cabeça para as colegas que insistem em praticar bullying, termo que nem era moda na época. Ela só titubeia quando se apaixona por Blane (Andrew McCarthy), que corresponde, mas acaba cedendo à pressão dos amigos que não aprovam esse relacionamento.
Embora a reação natural seja torcer pelo casalzinho, o relacionamento em si não é dos mais empolgantes. Tudo acontece muito rápido, os dois se apaixonam em dois segundos e continuam estranhos um para o outro. Para completar, Blane não inspira muita confiança e se deixa levar com facilidade: ou seja, é um banana. A discussão sobre aceitação, necessidade de autoafirmação, pertencimento e pressão social, no entanto, é válida. E claro que tudo isso aparece de forma natural.
Mas a história de amor nem é o diferencial do filme. O que torna Andie admirável é a linda relação de cumplicidade que tem com o pai, depois de um momento difícil: a mãe da jovem simplesmente abandonou marido e filha, criando um vazio irreparável na família. Depois disso, o pai se tornou alcoólatra e tem dificuldade de conseguir um emprego, e é ela quem assume a autoridade na casa, lembrando-o de seus compromissos, dizendo "Estou orgulhosa de você" e "Ela nos deixou, supere isso". A cena em que os dois finalmente dizem umas verdades um para o outro não poderia ser mais verdadeira e mais emocionante. E essa relação de cumplicidade também lembra muito a de Sam e seu pai em Gatinhas e gatões.
A atuação de Jon Cryer como Duckie, em seu papel de maior destaque no cinema até hoje, é outro grande destaque do filme. Completamente à vontade na pele do amigo sem noção (o nerd da vez, função que nos outros filmes era preenchida por Anthony Michael Hall), ele brinca em cena e nos proporciona momentos antológicos como o da dança na loja de discos. Ao mesmo tempo em que funciona como o bobo da corte, também consegue ser verdadeiro ao sofrer com o amor secreto que nutre por sua melhor amiga. O fato de ele ter consciência de que não possui nenhuma chance com ela não aplaca sua dor. Nem seu bom humor.
Rever A garota de rosa-shocking (e os outros filmes do mês John Hughes) é fazer uma viagem no tempo, da qual posso tirar duas conclusões. A primeira é a de que os anos 80 deviam ser definitivamente banidos do calendário fashion do universo. A segunda é a de que já não se fazem filmes adolescentes como antigamente. Já disse aqui neste blog que o diretor e roteirista entende a alma jovem como ninguém. Mas fato é que obras como essas não são produzidas hoje em dia por pura falta de sensibilidade, já que os tempos mudaram, mas os conflitos, nem tanto.
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