Um futuro decadente, sujo, escuro, com um tempo imprestável e dominado por chineses. Profecia? |
Começamos acompanhando o blade runner Deckard (Harrison Ford) indo tomar uma yakisoba meio indigna numa carrocinha xexelenta. Abordado por um policial chinês, só consegue entender uma palavra: Bryant. É o que ele precisa saber, seu ex-chefe o está chamando de volta à ativa. Ele foi convocado para "aposentar" quatro replicantes da geração Nexus-6, a que estava causando tantos problemas, que haviam conseguido retornar para a Terra. O que intrigou Deckard foi o motivo da volta: por que eles voltariam se era tão perigoso? Vivendo em outro mundo, eles estariam a salvo. O crime que atentou para esse grupo foi o assassinato de um agente durante o interrogatório dos funcionários da empresa para possível detecção de um Nexus intruso. Ele faz parte de um grupo de quatro replicantes rebeldes que resolve retornar à Terra, apesar de ser proibido, em busca de respostas. O objetivo é chegar no criador deles para que possam aumentar seu tempo de vida, programado para apenas 4 anos por serem extremamente perigosos. Apesar de programados para serem mais fortes e mais ágeis (mais humanos que os humanos, segundo o slogan da Tyrell Corporation), a instabilidade emocional os torna uma ameaça e precisam ser aposentados (um eufemismo sugestivo).
Deckard vai seguindo as pistas deixadas na cena do crime, a gravação do interrogatório, e as poucas informações do sistema. Consegue agendar um encontro com o dono da Tyrell Corporation e lá conhece Rachel (Sean Young, etérea), uma replicante que não acredita ser uma androide, mesmo após ser submetida à um teste psicológico que garante que ela é. Apegada às memórias implantadas em sua mente para que seus instintos fossem mais controlados, ela reluta em aceitar. Após ser convencida por Deckard, ela some sem deixar rastros. Mesmo que tenha sido cativado pela replicante, o blade runner não pode abandonar sua missão. Precisa encontrar e eliminar os quatro rebeldes o quanto antes. Uma delas havia se camuflado e trabalhava como dançarina stripper (foi eliminada após uma perseguição em meio à multidão), outro quase o matou ao pegá-lo desprevenido. Deckard foi salvo por Rachel, que reapareceu misteriosamente. Afinal, ela também havia sido cativada. Sobravam os dois replicantes mais perigosos: Pris (Daryl Hannah) e Batty (Rutger Hauer, excelente). A chave para eles chegarem até o criador eram os fabricantes de peças para eles. Após algumas visitas e ameaças, chegam ao nome de J. F. Sebastian (William Sanderson, muito bem em sua pequena participação).
Ele é um solitário engenheiro genético, que vive sozinho em um prédio abandonado, cercado apenas por seus brinquedos vivos - criações suas, geneticamente criados aos moldes dos andróides, porém com a finalidade de entreter e ser companhia para seu criador. Sebastian não podia deixar de ajudar a pobre moça perdida que estava à porta de sua casa, e mal sabia que ela seria a causa de sua desgraça. Pris consegue convencer Sebastian a deixa-la passar a noite em sua casa e ainda a telefonar para Batty ir para lá. Quando este chega, Sebastian percebe a situação em que se meteu. Eles tentam se fazer passar por amigos, mas tudo o que querem é poder chegar ao criador. Então utilizam Sebastian como uma chave para chegar a ele.
Percebendo a cilada e as intenções, Sebastian ainda tenta alerta-lo enquanto fala sobre um movimento de jogo de xadrez antes de subir à cobertura da sede da empresa, onde mora. Mas não consegue evitar o encontro. Ali, no primeiro diálogo entre criador e criatura, conseguimos perceber a crítica tão contundente do cineasta: o que nos faz tão diferentes assim dos replicantes se a única coisa que eles querem saber é porque não tem mais tempo para aproveitar a vida. Qual é o verdadeiro porquê de sua existência? O quê os difere dos humanos, se eles são capazes de armazenar memórias e criar laços com elas, aprender, ansiar mais do que o que tem? Porquê são condenado a viver tão pouco tempo depois de tudo o que conseguiram aprender e fazer? Se eles tem os mesmos dilemas e problemas dos humanos, porquê são uma sub-raça condenada à morte e os humanos tem o exclusivo direito de decidir isso? Tocante a cena, mas essa ainda não é a mais emocionante - Batty ainda vai nos surpreender antes do fim.
Enquanto isso, Deckard vai atrás do paradeiro de J. F. Sebastian e se depara com Pris, completamente letal e camuflada entre os sinistros brinquedos do engenheiro genético. Em uma sequencia mais frenética, diferente do ritmo geral do filme, a luta termina com Pris morta e Batty chegando para eliminar o caçador de androides. Após muita briga e muito choro por parte de Batty ao ver Pris morta, Batty consegue encurralar Deckard no telhado. Quase caindo, com os dedos quebrados e a incessante chuva, manter-se equilibrado no beiral parece impossível. Então Batty salva Deckard da queda. Sentados na chuva, o blade runner está completamente pasmo. Batty está arrasado. Seu fim está próximo, ele sabe disso, mas ele não gostaria de perder tudo aquilo que ele viveu, sentiu, conheceu, viu. Sua fala "e tudo o que eu vi vai passar despercebido, assim como lágrimas na chuva" (em uma tradução livre) é tão emocionante, tão humana... A angústia pelo conhecimento do fim, a constatação da fatalidade e de que nada vai mudar isso... É quase sufocante. É humano demais. E a morte do replicante ali, sentado embaixo da chuva torrencial após libertar a pomba branca que segurava com tanta ternura (ok, parte brega da cena porém simbólica, então a gente perdoa) é extremamente comovente.
Ao que parece, pelo que vimos nesses últimos meses de ficção científica e fim do mundo aqui no blog, ficou claro pra mim que, na visão dos cineastas, o mundo acaba quando já não existe a humanidade. Independente de onde ela se manifeste, ou do que quer que tenhamos transformado o mundo, se ainda houver uma esperança para que os sentimentos se manifestem nos corações então ainda há esperança. Não importa quantos mundos o homem consiga explorar e conquistar, o fim chegará quando os sentimentos não forem mais importantes. Aqui, em Blade Runner, os sentimentos estavam deslocados: os androides projetados para serem mais humanos que os humanos eram a unica especie destinada a sobreviver, uma vez que os animais todos já eram fabricados e a Terra era agora um local sucateado, abandonado pelos melhores humanos e deixado para os que eram a escória da sociedade. Um excelente filme, apesar de minha certa relutância inicial, e que vale uma revisitada de vez em quando para compreender melhor as suas nuances e sutilezas.
Pris (Hannah) e J. F. Sebastian (Sanderson): a solidão e suas estranhas engrenagens de amizade |
Deckard vai seguindo as pistas deixadas na cena do crime, a gravação do interrogatório, e as poucas informações do sistema. Consegue agendar um encontro com o dono da Tyrell Corporation e lá conhece Rachel (Sean Young, etérea), uma replicante que não acredita ser uma androide, mesmo após ser submetida à um teste psicológico que garante que ela é. Apegada às memórias implantadas em sua mente para que seus instintos fossem mais controlados, ela reluta em aceitar. Após ser convencida por Deckard, ela some sem deixar rastros. Mesmo que tenha sido cativado pela replicante, o blade runner não pode abandonar sua missão. Precisa encontrar e eliminar os quatro rebeldes o quanto antes. Uma delas havia se camuflado e trabalhava como dançarina stripper (foi eliminada após uma perseguição em meio à multidão), outro quase o matou ao pegá-lo desprevenido. Deckard foi salvo por Rachel, que reapareceu misteriosamente. Afinal, ela também havia sido cativada. Sobravam os dois replicantes mais perigosos: Pris (Daryl Hannah) e Batty (Rutger Hauer, excelente). A chave para eles chegarem até o criador eram os fabricantes de peças para eles. Após algumas visitas e ameaças, chegam ao nome de J. F. Sebastian (William Sanderson, muito bem em sua pequena participação).
Ele é um solitário engenheiro genético, que vive sozinho em um prédio abandonado, cercado apenas por seus brinquedos vivos - criações suas, geneticamente criados aos moldes dos andróides, porém com a finalidade de entreter e ser companhia para seu criador. Sebastian não podia deixar de ajudar a pobre moça perdida que estava à porta de sua casa, e mal sabia que ela seria a causa de sua desgraça. Pris consegue convencer Sebastian a deixa-la passar a noite em sua casa e ainda a telefonar para Batty ir para lá. Quando este chega, Sebastian percebe a situação em que se meteu. Eles tentam se fazer passar por amigos, mas tudo o que querem é poder chegar ao criador. Então utilizam Sebastian como uma chave para chegar a ele.
Percebendo a cilada e as intenções, Sebastian ainda tenta alerta-lo enquanto fala sobre um movimento de jogo de xadrez antes de subir à cobertura da sede da empresa, onde mora. Mas não consegue evitar o encontro. Ali, no primeiro diálogo entre criador e criatura, conseguimos perceber a crítica tão contundente do cineasta: o que nos faz tão diferentes assim dos replicantes se a única coisa que eles querem saber é porque não tem mais tempo para aproveitar a vida. Qual é o verdadeiro porquê de sua existência? O quê os difere dos humanos, se eles são capazes de armazenar memórias e criar laços com elas, aprender, ansiar mais do que o que tem? Porquê são condenado a viver tão pouco tempo depois de tudo o que conseguiram aprender e fazer? Se eles tem os mesmos dilemas e problemas dos humanos, porquê são uma sub-raça condenada à morte e os humanos tem o exclusivo direito de decidir isso? Tocante a cena, mas essa ainda não é a mais emocionante - Batty ainda vai nos surpreender antes do fim.
Batty (Hauer) e Deckard (Ford): seria a humanidade uma característica exclusiva dos humanos? |
Enquanto isso, Deckard vai atrás do paradeiro de J. F. Sebastian e se depara com Pris, completamente letal e camuflada entre os sinistros brinquedos do engenheiro genético. Em uma sequencia mais frenética, diferente do ritmo geral do filme, a luta termina com Pris morta e Batty chegando para eliminar o caçador de androides. Após muita briga e muito choro por parte de Batty ao ver Pris morta, Batty consegue encurralar Deckard no telhado. Quase caindo, com os dedos quebrados e a incessante chuva, manter-se equilibrado no beiral parece impossível. Então Batty salva Deckard da queda. Sentados na chuva, o blade runner está completamente pasmo. Batty está arrasado. Seu fim está próximo, ele sabe disso, mas ele não gostaria de perder tudo aquilo que ele viveu, sentiu, conheceu, viu. Sua fala "e tudo o que eu vi vai passar despercebido, assim como lágrimas na chuva" (em uma tradução livre) é tão emocionante, tão humana... A angústia pelo conhecimento do fim, a constatação da fatalidade e de que nada vai mudar isso... É quase sufocante. É humano demais. E a morte do replicante ali, sentado embaixo da chuva torrencial após libertar a pomba branca que segurava com tanta ternura (ok, parte brega da cena porém simbólica, então a gente perdoa) é extremamente comovente.
Ao que parece, pelo que vimos nesses últimos meses de ficção científica e fim do mundo aqui no blog, ficou claro pra mim que, na visão dos cineastas, o mundo acaba quando já não existe a humanidade. Independente de onde ela se manifeste, ou do que quer que tenhamos transformado o mundo, se ainda houver uma esperança para que os sentimentos se manifestem nos corações então ainda há esperança. Não importa quantos mundos o homem consiga explorar e conquistar, o fim chegará quando os sentimentos não forem mais importantes. Aqui, em Blade Runner, os sentimentos estavam deslocados: os androides projetados para serem mais humanos que os humanos eram a unica especie destinada a sobreviver, uma vez que os animais todos já eram fabricados e a Terra era agora um local sucateado, abandonado pelos melhores humanos e deixado para os que eram a escória da sociedade. Um excelente filme, apesar de minha certa relutância inicial, e que vale uma revisitada de vez em quando para compreender melhor as suas nuances e sutilezas.
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