Rosas são vermelhas, violetas são azuis, seria Shakespeare uma fraude? |
E se o maior dramaturgo da História fosse uma fraude? E se essa fraude fosse criada para proteger um segredo ainda maior? Confesso que o filme me surpreendeu, até porque eu não sabia muito bem o que esperar dele. Não conhecia muito sobre a história do autor antes de ouvir sobre esse boato, de que o grande William Shakespeare seria, na verdade, um usurpador. Bem, se você não gosta de spoilers, favor não terminar de ler esta
resenha. Porque, tenho que dizer, fiquei impressionada com a história
contada nesse filme - e não sei se vou saber me explicar sem contar a grande
sacada...
O filme começa com uma apresentação em um teatro, como um arauto anunciando o espetáculo a seguir: começa-se acompanhando a história como um recurso do teatro, até que imergimos na ação: um autor foge desesperadamente da polícia real e se esconde em um teatro. Tentando salvar o embrulho que tinha nas mãos, ele se esconde debaixo do palco e consegue colocar os pertences dentro de um baú enquanto os policiais incendeiam o lugar. Levado preso, começa a ser torturado para revelar onde estão as peças de Shakespeare. Então, é preciso voltar ainda mais no tempo, para explicar porque Ben Jonson (Sebastian Armesto) estava fugindo. E aí começa uma ligeira sucessão de nomes que podem confundir quem não estiver muito ligado, mas que valem a pena ligar os pontos quando, mais pro fim do filme, a grande revelação acontece.
Ben Jonson (Armesto): contar ou não contar? Eis a questão... |
Jonson, na verdade, estava apenas cumprindo uma última ordem de seu benfeitor, o Conde de Oxford Edward de Vere (Rhys Ifans, excelente): ele tinha que manter a salvo aqueles manuscritos da família dele, cujo sogro era o maior conselheiro da Rainha Elizabeth (Vanessa Redgrave, quando - muito - velha e Joely Richardson quando 'novinha') e era radicalmente contra as peças, de qualquer gênero e escritor, porque as considerava obras do diabo. William Cecil (David Thewlis, ótimo em cena) acompanhava a rainha desde que ela era jovem e bela, e conhecia bem o forte temperamento da moça - tanto que a aconselhava com bastante severidade quanto as questões inglesas, uma vez que sua sucessão ao trono estava ainda incerta já que ela não tinha nenhum herdeiro direto. O que Vossa Alteza não sabia era que um de seus bastardos estava querendo se candidatar ao trono, o Conde de Essex Robert (Sam Reid) e buscava apoio na corte e fora dela para declarar seu direito ao trono. Conseguiu que o jovem Conde de Southampton (Xavier Samuel) o apoiasse na causa, mas isso desagradou a Edward, que não queria ver seu filho apoiasse o golpe (mais tarde descobrimos que ele é bastardo de Edward e Elizabeth, um amor proibido porque Edward já era casado com a filha de Cecil - mas ah!, ela era a rainha né? Ela podia tudo).
Elizabeth (Richardson) e Edward (Campbell): há algo de podre no reino da Inglaterra |
Enquanto toda essa agitação política acontecia, Jonson foi colocado no centro do caldeirão quando fora resgatado da prisão (acusado de perverter a ordem com suas peças, claro) por Edward. O que o conde de Oxford tinha em mente era usar Jonson como um transmissor de suas ideias: muito afeito ao teatro e às artes em geral, em especial à poesia, Edward fora instruído a deixar de lado sua paixão pelas letras - mas manteve-se em atividade em segredo, escrevendo ricos poemas e peças inteiras. Sendo ele um conde genro do conselheiro da rainha, não podia ser pego descumprindo uma lei. Então Jonson era o testa-de-ferro perfeito para ele: um jovem e mediano autor, sem muito brilho ou renome, acabou preso a ele pela dívida do resgate à prisão. Após a apresentação da primeira peça, que fora um sucesso com o público, ambos foram surpreendidos pela interferência de um ator beberrão que, ao ouvir os gritos da plateia pedindo pelo autor da peça, se apropriou dos manuscritos e apresentou-se à frente da multidão: William Shakespeare (Rafe Spall). Aí complica, né? Ah, mas vai complicar mais ainda...
Shakespeare (Spall) nos braços do povo: até tu, William? |
O velho Cecil morre, deixando seu filho Robert (Edward Hogg) em seu lugar como conselheiro. Este é tão rigoroso quanto o pai e continua a manter a rainha no trono, apesar de todas as tentativas de golpes contra ela. Elizabeth se sente segura quanto aos conselhos dele quanto era de seu pai porque acredita que os Cecil são extremamente leais à ela. Tanto que se manteve afastada de Edward desde o momento em que William a aconselhou a esconder a gravidez (inclusive do próprio conde) e novamente não desconfiou de nada errado quando Robert a avisou da rebelião do conde de Essex, que contaria com o apoio de Oxford. os condes de Essex e Southampton tinham sido enviados à Escócia para abafar as rebeliões católicas, mas ao retornar tinham sido impulsionados a reclamar logo o direito de Essex ao trono. Preocupado com seu filho e assustado com o sucesso de suas peças, o conde de Oxford ainda teve uma outra péssima surpresa: Shakespeare havia descoberto que Jonson as peças que ele lhe entregava do lacaio do conde, e foi lá cobrar o dinheiro extra que ele tentava extorquir de Jonson e não conseguia. Com esse dinheiro, cedido de má vontade pelo conde (que já estava indo à bancarrota), Shakespeare criou um brasão para si e aumentou o teatro (que existe até hoje) para a exibição de "suas" peças. Percebendo que suas peças atraíam a atenção do povo, Edward planejava causar comoção popular e apoio das massas para o conde de Essex através de sua peça. Mas o plano deu errado porque, cansado de ver o sucesso do falso autor e de ter que guardar tantos segredos e só se dar mal, Jonson acabou por revelar quando a peça seria encenada (mas ele não sabia da rebelião planejada por Edward). Quando a multidão inflamada foi pega na tocaia e os condes de Essex e Southampton também foram presos, acusados de traição e tentativa de assassinato da rainha, aí sim a história ganha tons tão dramáticos que nem as peças de Shakespeare (falso ou não) poderiam trazer. Ok, não vou contar o que é. Prefiro deixar minha resenha incompleta a contar le grand finale.
O conde de Oxford (Ifans): "O amor é cego, e os namorados nunca veem as tolices que praticam" |
O filme tem uma produção impecável e atuações grandiosas, principalmente dos atores menos conhecidos. Sebastian Armesto faz um amargurado Ben Jonson com maestria, mostrando toda a frustração do autor menor que era e a inveja e amor que tinha pelas peças do Conde a que muito a contragosto servia, mas a lealdade e a paixão pela arte superaram as circunstâncias intrincadas em que surgiu o maior autor teatral de todos os tempos - independente de quem era. Rhys Ifans também é surpreendente, principalmente porque eu lembrava dele como o abestalhado amigo de Hugh Grant em Um lugar chamado Notting Hill. David Thewlis é outra carinha que a gente reconhece depois de um tempo - as maquiagens para envelhecê-lo dificultam um pouco, mas dá pra ver que o professor Lupin tá ali, aconselhando a rainha. Outra delícia é ver as peças do bardo sendo apresentadas como um tesouro secreto, reveladas aos poucos, pequenos trechos reconhecíveis daqueles que viriam a se tornar os maiores clássicos de todos os tempos sendo apresentados ao público como uma novidade - dá pra imaginar como seria ver uma peça de Shakespeare naquela época sem nem se dar conta de que ali era um pedaço de História sendo escrito? Um filme que não decepciona: cheio de reviravoltas, com uma produção especialmente caprichosa e atuações vibrantes, uma história intrigante e, quiçá, verdadeira. Uma boa surpresa que, mesmo que não vá parar na minha lista de filmes favoritos, pelo menos vai ficar na memória por um bom tempo.
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