Nosferatu me deixou confusa. Porque, ao mesmo tempo em que carrega os principais elementos da clássica história de Bram Stoker, consegue ser uma obra extremamente diferente de Drácula. À parte a questão dos direitos autorais, que foi "resolvida" com uma preguiçosa (e até picareta, eu diria) mudança de nomes e a alteração do desfecho, creio mesmo que F.W. Murnau tinha ambições distintas das de Tod Browning, diretor responsável pela adaptação com Bela Lugosi. Pesando os prós e os contras, acho que fico com a versão de 1931, embora digam que a produção alemã tenha conseguido ser mais fiel na caracterização do papel-título. Questão de gosto. Mas também fiquei curiosíssima para ler o romance original e ver o que, afinal, é baseado no livro e o que é pode ser considerado livre interpretação.
Embora o longa tenha suas qualidades - pioneirismo entre elas, sem sombra de dúvida -, não pude evitar a decepção. A começar pelo próprio Nosferatu: seguindo a estética do expressionismo alemão, a caracterização da criatura é propositalmente exagerada e assustadora, com suas orelhas disformes, dentes pontiagudos e garras enormes. Esqueça o título de nobreza, o conde Orlok/Dracula (Max Schrek) não passa de um monstro, uma besta que espalha doença por onde passa. Causa espanto até o fato de ele falar tão articuladamente (apenas nas primeiras participações, reparem), já que o visual é de um animal ávido por sangue bem próximo da irracionalidade. Confesso que a ideia de um vampiro dissimulado e sutil a ponto de se misturar aos demais me soa mais atraente. Outro aspecto interessante é que, apesar de ser o personagem principal, ele aparece muito pouco e, muitas vezes, acaba ofuscado pelos coadjuvantes. Sem falar que chegam a ser ridículas as cenas de Orlok correndo pela cidade de Bremen sorrateiramente, com seu caixãozinho debaixo do braço. Ele não poderia arrumar um servo só com o poder da sugestão para ajudá-lo nas tarefas mundanas?
Além disso, fazer um filme mudo tem suas limitações: o uso das cartelas, necessárias para a compreensão da história, ainda que comedido, acaba prejudicando o ritmo da narrativa. Elas não só diminuem a tensão em momentos decisivos como impossibilitam que o espectador faça suas próprias associações de ideias a partir das imagens. E nem vamos mencionar as interpretações, sempre um tom acima, como é inevitável em produções do tipo. Junte-se isso a uma certa inabilidade de conduzir as tramas paralelas (falha que poderia ser corrigida na hora da montagem) e o resultado são trechos absolutamente deslocados, como a "apresentação" do doutor Bullwer/Van Helsing (John Gottowt) numa chata aula sobre plantas carnívoras e pólipos. Era para ser uma metáfora, mas não funcionou muito bem. O personagem, que deveria ser importante, poderia ser totalmente limado da história que não faria a menor falta. Uma pena.
Acho que ficou bem claro que Murnau não tinha a pretensão de eternizar a figura de Orlok/Dracula como o vampiro-modelo que ele viria a se tornar nas décadas seguintes. Para ele, mais importante que caracterizar um ser mitológico vulnerável a água benta, alho e estacas era criar um ambiente de medo que tomasse conta de toda a população. Na trama, todos acreditam que uma pesta seja a causa de tanta morte e destruição, o que muitos associam ao clima pós-Primeira Guerra Mundial. A questão fica ainda mais alegórica ao pensarmos que a ameaça termina assim que Orlok/Dracula é atingido pelos primeiros raios de sol da manhã. Imediatamente, a doença desaparece. Não deixa de ser um fim esperançoso: por mais longo que seja o período das trevas, amanhã é outro dia.
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