Estupidez. A única palavra possível para definir uma guerra é a que dá o tom crítico e tão incisivo a Platoon. Do início ao fim do clássico de Oliver Stone não há margem para dúvidas: vencedores ou perdedores, isso é o que menos importa. Porque a nação que sai "vitoriosa" leva para casa tantos corpos quanto seus oponentes. Porque seus soldados perdem toda e qualquer noção de humanidade diante da possibilidade da morte. Porque tanta atrocidade não fazem realmente nenhum sentido. Porque conflitos políticos, econômicos ou religiosos entre governantes engravatados não podem depender de tantos sacrifícios.
E o brilhantismo do roteiro é justamente questionar esses valores fictícios de idealismo e patriotismo romântico, que motiva jovens como Chris (Charlie Sheen, quando ainda prometia ser um ator sério), um americano branco nascido em boa família, que resolve abandonar a faculdade para se alistar como voluntário na Guerra do Vietnã. Os outros recrutas, negros e menos afortunados, não conseguem entender tal decisão: tudo que eles querem é voltar para as suas namoradinhas e viver uma vida tranquila. Antipatriótico? Não, humano. E Chris aprende da pior maneira possível que seus 365 dias ali serão insuportáveis. Isso, se ele aguentar aquele inferno, como ele mesmo diz, logo na primeira semana.
Mas não é só a rotina puxada, de poucas horas de sono, muito esforço físico e comida ruim, que o incomoda. Não demora muito para que ele perceba que um descuido significa uma vida perdida. Que o poder entra pela porta enquanto o respeito foge pela janela. Que, dia a dia, esses homens perdem um pouco de sua sanidade e, em casos mais extremos, sua humanidade. Torturar, matar, estuprar, roubar, mentir passam a ser encarados como parte do jogo. Mas quem é que move os peões mesmo?
A sequência mais aterradora do filme é a que o pelotão americano chega a uma aldeia de vietnamitas. Escondidos em buracos, como animais, os pobres coitados são humilhados, interrogados e feridos pela simples suspeita de que possam dar abrigo aos vietcongues. "Esse arroz serve para alimentar um batalhão inteiro", diz um soldado. Motivo suficiente para queimar toda a comida estocada dessa gente, destruir suas casas e aterrorizar suas famílias, certo? O nível de irracionalidade, prepotência e loucura que acomete o sargento Barnes (Tom Berenger, excelente) e alguns de seus homens assusta. É deprimente ver o quão pouco é necessário para a involução da espécie.
Nesse cenário de horror, o único capaz de enfrentá-lo, sargento Elias (Willem Dafoe, impecável como de costume), parece mais um recurso de ficção para nos fazer acreditar que nem tudo está perdido - Chris ainda tem em quem se espelhar, mesmo estando tão desacreditado, tão abatido, tão perturbado. E, embora a cena que tenha ficado eternizada de Elias seja aquela com os braços estendidos para o alto, como quem espera alguma ajuda divina, é em outra sacada genial de Stone que o personagem se revela mais. A tomada é simples: um plano bem fechado dos olhos de Dafoe, quando seu personagem reconhece Barnes no meio da mata. Em poucos segundos, o sorriso de quem tem esperança se desfaz. É ali que ele toma consciência de que o inimigo está mais próximo do que ele imagina.
Platoon é um manifesto. Stone, que combateu no Vietnã, fez de Chris seu alter ego, e é por isso que o filme emociona. As palavras finais do protagonista adquirem um novo significado quando atentamos para esse detalhe. Soa sincero. Soa humano. E nos lembra que o cinema tem essa função também: de provocar, de levantar questões, de promover a reflexão. Um estupidez absurda como uma guerra não pode viver de estátuas de heróis, quando quem deu seu sangue terminou numa vala qualquer. Numa guerra, não existem vencedores.
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