Faça um exercício simples e tente se lembrar de quantos filmes americanos sobre adolescentes você já viu na vida. É provável que tenham sido muitos, e mais provável ainda que os estereótipos se repitam em todos eles. Mas aí você se depara com Gatinhas e gatões, que resolve aprofundar os clichês sobre esse universo e se recusa a se manter na superficialidade. É comédia rasgada, mas conduzida com muita sensibilidade, e possui diálogos tão convincentes que fazem pensar se John Hughes não é o pseudônimo de uma adolescente de 16 anos. Porque a angústia, os medos, as alegrias e decepções que todo mundo passa nessa idade passam diante dos nossos olhos nesse filme.
O mote do filme (que dá origem ao nome original do longa, Sixteen candles) é o aniversário da protagonista, Samantha (Molly Ringwald). Mas toda a crise provocada quando a família esquece essa data tão importante é só uma desculpa para remexer algumas feridas que a passagem do tempo causa na jovem. Ela se sente frustrada por não ter o corpo "perfeito", se sente invisível diante do cara por quem é apaixonada, não tem a atenção que a irmã mais velha (prestes a se casar) e o caçula (um pentelho insuportável) necessitam. A cena do ônibus escolar, propositalmente exagerada, diz muito sobre essa consciência da mudança: aquele bando de pirralhos fazendo algazarra parece o fim do mundo para ela e a amiga. Afinal, elas não são mais crianças. Ao mesmo tempo, ela não tem um carro para ir ao colégio sem ser importunada. É dura essa vida de adolescente! Ao mesmo tempo, é comovente vê-la se abrindo sobre sua vida amorosa com o pai, com todas as limitações que essa situação impõe. Bonito de se ver.
Enquanto é assediada por um CDF totalmente sem noção, vivido por Anthony Michael Hall, Sam morre de amores mesmo é por Jake (Michael Schoeffling), o bonitão que namora uma das garotas mais populares da escola. Mas o que parece seguir a tal cartilha dos estereótipos vai ganhando novos contornos quando a gente vê que o nerd quer tirar onda de garanhão, o bonitão não veste uniforme de futebol e se cansa da beleza vazia da namorada, e essa... Bem, essa não tem muito mais o que mostrar mesmo, mas é divertida. Luxo dos luxos é ter John e Joan Cusack como coadjuvantes e personagens secundários como Long Dong e sua namorada.
Não é à toa que Molly se tornou musa dos adolescentes e ícone das adolescentes das décadas de 80 e 90, graças a infinitas reprises do filme na Sessão da Tarde. Gatinhas e gatões consegue identificação imediata com os jovens sem ter que cair nas armadilhas da artificialidade que acomete as produções contemporâneas, de Malhação a Glee. Roteirista e diretor habilidoso, Hughes fala de igual para igual, não julga, não condena, se coloca no lugar do seu público. E não precisa ser politicamente correto pra isso. Tem coisa melhor do que uma fila de garotos na puberdade dando dinheiro aos nerds da escola para ver uma calcinha de menina? O que é pra virar piada, vira piada. O que é pra virar reflexão, vira reflexão, sem sermões, sem artifícios, sem falso moralismo. E se tiver final feliz, então, melhor ainda.
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