Ah, o doce sabor da vingança... |
Acho que é isso o que mais me chama a atenção nesse filme: a história é tipicamente Tarantina, com um monte de referências, vários personagens com histórias intrincadas, reviravoltas, sangue, interpretações memoráveis. O figurino perfeito, a caracterização minuciosa de cada personagem, a trilha sonora - marca registrada dos filmes de Quentin Tarantino - os cenários e locações lindíssimos... Tudo minuciosamente pensado, trabalhado e explorado. Mas a liberdade de fazer o que quiser no cinema, de contar a história que se quer contar, independente de se ater à realidade, faz desse filme uma catarse. Afinal, quem não gostaria de ter tido a oportunidade de colocar toda a cúpula do Reich nazista num cinema e explodi-lo?
O filme é todo pautado no grupo que ficou conhecido como os Bastardos, aqueles que não tão nem aí para a glória e que dão o nome à trama. O que eles querem? Matar nazistas. Porquê? Bom, uns porque já vinham sofrendo com a represália por ser judeu, como o cabo Wilhem Wicki - conhecido como O Urso Judeu (Gedeon Buckhard, ótimo) por matar os soldados nazistas com um bastão de beisebol (brutalidade, a gente vê por aqui), ou o sargento Stiglitz (Til Schweiger, excelente), que matou 13 oficiais da Gestapo sendo um genuíno alemão (com consciência, claro). O grupo era capitaneado pelo tenente Aldo Raine (Brad Pitt, com um nauseante sotaque do Tenesse - explicado no fim do filme), descendente de apaches (?!) e que queria os escalpos dos soldados mortos pelo grupo. Eles eram uma boa meia dúzia, mas conseguiram enfurecer o füher de tantos soldados alemães que mataram e/ou humilharam. Mas a história não começa a ser contada por aí. Eles só entram no capítulo 2. O capítulo 1 pertence à Shoshana (Mélanie Laurent, excelente) e sua triste história: sua família é massacrada no assoalho da sala onde viviam escondidos depois de terem sido delatados por seu protetor. Única sobrevivente, poucos anos depois, ela viria a se tornar a única herdeira de um cinema em Paris, onde acidentalmente iria chamar a tenção de ninguém menos que o herói alemão Fredik Zoeller (Daniel Brühl, suspira) e, involuntariamente, acabaria atraindo para seu pequeno cinema toda a elite do Reich, incluindo o ministro da propaganda nazista Joseph Goebbles (Sylvester Groth, muito bom), o próprio füher Hitler (Martin Wuttke, per-fei-to) e ninguém menos que o carrasco de sua família: aquele conhecido como O Caçador de judeus, coronel Hans Landa (Christoph Waltz, soberbo, brilhante). Enquanto Shoshana se prepara para sua própria vingança, os Bastardos também querem aproveitar a chance que lhes aparece.
Com a ajuda de uma agente dupla, a famosa estrela Bridget von Hammersmark (Diane Krueger, lembrando os tempos áureos das divas americanas), o grupo tenta se programar para detonar o prédio quando a cúpula do Terceiro Reich estiver assistindo ao filme de Zoeller. Mas uma infeliz coincidência acaba por destruir os planos do grupo: um jovem soldado foi comemorar o nascimento do filho no lugar onde os Bastardos e a diva se encontrariam para combinar o atentado e o tenente inglês Archie Hicox (Michael Fassbender, suspira duas vezes) mandado para conversar com a agente dupla acaba por se denunciar como um falso oficial alemão para um legítimo - um simples gesto errado e a carnificina foi completa. O melhor plano dos Bastardos foi por água abaixo, até a atriz que serviria de álibi para a entrada do grupo estava ferida, e a operação estava comprometida. Após o massacre, Landa ainda aparece e descobre vestígios da presença de Von Hammersmark e soma 2+2. No dia da apresentação, ele desmascara a atriz e arruina os planos de Raine, que tinha ido como um cineasta italiano (simplesmente hilária a cena em que Landa tenta decifrar o sotaque dos 3 Bastardos, um acrítica ácida ao padrão americano de achar que não precisam saber nenhuma outra língua a não ser a própria). Dois de seus homens ainda estão no cinema, mas ele fora capturado por Landa, que assassina Von Hammersmark e vai ter com os conspiradores. Surpreendentemente, ele se oferece para ser levado como refém, se for dado a ele salvo conduto e algumas regalias. Então, chegamos ao clímax do filme: a tão sonhada vingança da Humanidade contra o führer.
Krueger e Fassbender: quando o plano perfeito parece que vai para o ralo |
A chacina dos Bastardos é apenas uma parcela do caos criado por Shoshana. No meio da apresentação do filme, ela projeta um desafio ao Reich, se assume como a judia foragida e promete a vingança de seu povo. Com a ajuda de seu namorado e único funcionário, após a declaração, ele põe fogo nos 350 rolos de filme de 35mm que eram do acervo do cinema - produto altamente incendiário. E fez-se o inferno no cinema, e os Bastardos se vingam metralhando todos os alemães desesperados, oficiais, políticos... Destaque para a cena marcante do Urso Judeu desfigurando o rosto de Hitler com tiros enquanto Shoshana proclama a vingança do povo judeu. Sensacional. São pequenas ligações assim que conectam o filme todo, e trazem um humor negro e uma sensação de vingança. Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009) é um filme único: inteligente, mordaz, cheio de reviravoltas no momento certo, surpreendente, maduro, com excelente elenco e atuações mais que inspiradas. Dá para perceber o orgulho de Tarantino ao ver a última fala de Aldo Raine na última cena do filme, quando ele finalmente humilha o coronel Landa como ele merecia, e tirando ele de seu falso pedestal, ao fazer uma suástica na testa deste (assim como fizera com todos os outros raros sobreviventes de seus ataques às tropas alemãs): "Acho que essa é a minha obra-prima". Acho que preciso concordar com ele.
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