Existem filmes que se tornam clássicos por seus próprios méritos, outros por conta de fatores externos que se tornam maiores que a própria obra. O corvo se encaixa no segundo caso. Tenho dúvidas se ele se tornaria um filme tão cultuado se não fosse a fatídica morte de Brandon Lee durante as filmagens, o que aumentou consideravelmente a (mórbida, sem dúvida) curiosidade do público e criou uma aura inexplicável em torno de uma adptação cinematográfica apenas mediana, que tinha potencial para ser bem melhor.
O longa de Alex Proyas conta uma história de vingança bastante sinistra, baseada no HQ de James O'Barr. Não fosse o fato de o protagonista, Eric Draven (Lee) voltar dos mortos para reparar o próprio assassinato e o de sua noiva, o acerto de contas não seria diferente de tantos outros que você já viu no cinema. E é exatamente aí que reside o problema. O filme chama a atenção por ser underground, com uma estética suja e dark, e abusar da violência. Mas o resto é de uma superficialidade que incomoda.
O motivo do crime não poderia ser mais banal. Um bando de arruaceiros, que gosta de tocar fogo na cidade na chamada Noite do Diabo, véspera do Halloween, resolve "dar um susto" em Shelly Webster (Sofia Shinas), mas a presença do noivo da jovem muda os planos iniciais e a situação toma um rumo trágico. A ausência de explicações para o retorno de Eric e mesmo a ligação com o corvo que dá nome à produção prejudica a história, que só ganha mais consistência na execução da vingança propriamente dita. A presença do impiedoso mascarado aterroriza mais suas vítimas do que a iminência da morte.
Só que todos parecem lidar muito bem com a ideia de um justiceiro do além. O sargento Albrecht (Ernie Hudson), em poucos minutos, digere a informação e trata seu mais novo amigo com uma naturalidade que impressiona. Já a menina Sarah (Rochelle Davis) é a personagem que tem o melhor desenvolvimento dentro da trama. Traumatizada com a morte da babá e amiga, ela vive uma vida independente, apesar da pouca idade, já que a mãe, uma garçonete viciada, só quer saber do namorado e de drogas. A boa atuação da atriz chama a atenção, e são dela as melhores cenas do filme, como a do emocionante reencontro com Eric. Cena, aliás, gravada com o dublê, disfarçado pela contraluz, claramente feita após a morte de Brandon.
Se os demais personagens ganhassem uma complexidade semelhante, o filme teria um resultado muito superior. Mas o roteiro de David J. Schow e John Shirley constrói caricaturas, como se vê no caso dos vilões. O corvo é um filme que privilegia a estética e busca agradar aos fãs da HQ e de filmes violentos, mas não se preocupa em criar um perfil mais apurado, em ir além da ação pura e simples, que pode funcionar nos quadrinhos, mas demanda algo mais no cinema.
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