Nunca antes na História da Grã-Bretanha Rei Athur foi tão desmoralizado quanto em Monty Python em busca do cálice sagrado. Figura poderosa, viril e justa em todas as adaptações cinematográficas que retratam o lendário monarca, ele tem absoluta nenhuma autoridade no longa dos comediantes ingleses. Sua moral é tão pouca que a produção não tem nem cavalos para conduzir os famosos cavaleiros da Távola Redonda. E esse é só um exemplo do que vem pela frente. Mas prepare-se: você nunca mais verá filmes medievais da mesma forma depois disso.
Interpretado por Graham Chapman, Arthur é um líder solitário, em busca de seu exército. Com alguma dificuldade - que inclui ser completamente ignorado por um reles sentinela de um castelo qualquer e subestimado por um misterioso cavaleiro -, ele consegue recrutar alguns homens. O primeiro deles, sir Bedevere (Terry Jones), ele conhece durante o surreal episódio envolvendo uma suposta bruxa e camponeses que querem queimá-la a qualquer custo. "Ela me transformou em uma salamandra!", brada um deles, que completa em seguida: "Eu melhorei". Com toda sua "sabedoria", Arthur "prova" que ela é uma feiticeira e conquista um súdito. Um feito e tanto para quem não consegue exerceu seu poder sobre integrantes de uma comunidade anarco-sindicalista, num dos melhores embates do longa.
A vida do rei dos bretões fica um pouco mais fácil com seus cavaleiros reunidos, mas ele subitamente desiste da "estúpida" Camelot, onde a vida é quase uma festa. Sua jornada volta a ter sentido graças a Deus. Literalmente, já que o próprio Criador dá ao grupo a missão de encontrar o cálice sagrado. E é nas andanças atrás do objeto que acontecem as situações mais absurdas. A estupidez generalizada dos personagens (inclusive dos que costumam ser sábios e superiores em histórias do gênero, como os magos) e os diálogos nonsense (sem glamour algum e repetidos à exaustão) transgridem todas as convenções conhecidas pelos fãs de aventuras medievais. A ironia atinge seu ápice nos célebres cavaleiros que dizem "Ni", criaturas que amedrontam os viajantes com a simples ameaça de pronunciar palavras terríveis e que fazem as exigências mais improváveis para poupar a vida alheia.
Mas minha passagem favorita é a de Lancelot (John Cleese) invadindo uma festa de casamento para salvar um jovem príncipe. Toda a sequência - que não tem um final exatamente feliz - consegue fazer piada com a sexualidade do jovem, o caráter do rei e a coragem do próprio cavaleiro. Tudo isso sem perder a oportunidade de zombar das cenas musicais que os espectadores (e, pelo visto, os próprios personagens) amam ou odeiam. E por falar em música, a canção de sir Robin (Eric Idle), o não-tão-bravo-quanto-sir-Lancelot, é irônica até dizer chega. Nada, nada mesmo é levado a sério nesse filme, que tem um desfecho extremamente coerente com tudo que se viu até ali. Que Deus tenha misericórdia dos bretões.
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