Nunca vi um filme de terror tão "aconchegante" quanto O bebê de Rosemary. Um espectador desavisado pode achar estar diante de um romance ou algo do tipo quando o casal protagonista procura um novo apartamento. Recém-casados, apaixonados, planejando um filho, eles vivem uma fase excelente. E a casa dos sonhos só vem reforçar o quanto este momento é especial. Mas o perigo morava bem ao lado.
Apostando no que tem de melhor - uma excelente trama e um elenco afiado -, o thriller de Roman Polanski abre mão de artifícios batidos e privilegia o estado psicológico dos personagens. Nada de sustos fáceis, banho de sangue e cenários sombrios. Sim, há uma morte súbita logo no início, mas até isso parece reafirmar a tranquilidade do lugar, já que os vizinhos de Rose (Mia Farrow, inspiradíssima) e Guy (John Cassavetes), Minnie (Ruth Gordon) e Roman (Sidney Blackmer), parecem realmente chocados com a notícia. Aos poucos, aliás, os velhinhos entram forçadamente na vida do casal, o que a jovem acaba aceitando por acreditar que aliviaria o luto dos idosos. E é aí que a coisa começa a ficar realmente assustadora.
A verdade sobre o que se passa no apartamento vizinho só é revelada bem aos poucos, mas desde cedo é possível perceber que há algo estranho no ar. Para o público, a verdade é revelada na perturbadora cena da concepção (esqueceu de que há um bebê na história?), em que os inocentes vizinhos fofoqueiros se revelam membros de uma sinistra seita. Mas a pobre Rosemary, fortemente dopada, não pode ter certeza de que tudo não passava de um sonho. A sugestão da criatura, mostrada apenas parcialmente, por meio de patas, garras e olhos, se mostra uma decisão acertada: desperta a curiosidade sem correr o risco de cair no ridículo. E é justamente por isso que entra tão fácil no nosso inconsciente (tente puxar pela memória que logo você saberá do que estou falando).
Um dos aspectos mais fortes do filme é a transformação da personagem principal. Linda como nunca no início do longa, Mia Farrow vai definhando diante dos nossos olhos. Magra ao extremos, com olheiras profundas e com aquele corte de cabelo (que virou moda!), que lhe dava um ar ainda mais frágil, Rosemary se torna digna de pena. Manipulada por todos em sua volta, inclusive pelas pessoas em que mais confiava (o que torna tudo ainda mais aviltante é a participação do marido no tal plano, por um motivo tão mesquinho), ela passa a ter dúvidas até da própria sanidade. Quem não duvidaria? Para piorar, o amigo que tenta alertá-la sofre graves consequências.
Não bastassem tantas dificuldades, Rosemary ainda sofre um golpe final, mais uma mentira cruel, capaz de desestabilizá-la de vez. Por isso, nada nos prepara para aquele desfecho, por mais que nossa torcida sempre tenha sido a de que ela descubra toda a verdade. Em meio a tanta sordidez, a cena final é de uma ternura incomparável. Em meio a tudo isso, ainda há beleza. Não creio que algum outro diretor ou alguma outra atriz conseguiriam construir um momento como aquele. Ainda bem que essa história (que, dizem, é bem fiel ao livro) caiu nas mãos certas.
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