Caso você tenha ficado preso no deserto australiano nos últimos 20 anos, a Priscilla não é um personagem de carne e osso. Mas é sim um personagem, e desde que esse "busão" cheio de personalidade ligou os motores muita coisa mudou do lado de cá da telinha. Mas antes, vamos ao enredo (é tô escrevendo isso durante o carnaval, então enredo).
Tick (Hugo Weaving) recebe uma proposta de emprego em uma cidadezinha no meio do deserto australiano e aceita ao lado dos amigos Bernadette (Terence Stamp) e Felicia (Guy Pearce). Mas é 1994 e cidadezinhas remotas não tem aeroporto, mesmo que tivessem a passagem não seria barata. Então eles embarcam em Priscilla, um ônibus, e atravessam o deserto passando por lugares interessantes e tendo encontros inacreditáveis.
Mencionei que os três são Drag-Queens? (tecnicamente um deles é transexual, mas não vou parar para explicar isso). De fato os amigos ganham a vida dublando músicas usando salto alto, plumas e paetês. Some-se isso ao parágrafo acima, e o resultado são altas confusões como diria o narrador da Sessão da Tarde.
Entre problemas no ônibus, caipiras preconceituosos, pessoas surpreendentemente legais e criaturas que você não sabe como chegaram onde estão, o roteiro toca em assuntos delicados e cria dilemas para seus personagens. Mas não desenvolve exemplarmente. (Segurem os forninhos haters) Não estou dizendo que o filme é ruim, mas não me impressionou tanto quanto sua reputação indica.
Durante a viagem Tick faz muito suspense em relação ao verdadeiro propósito de sua viagem por medo do que os colegas vão pensar e principalmente a reação do - SPOILERS A PARTIR DESTE PONTO - filho sobre quem é seu pai. Mas os amigos ficam apenas surpresos, e não fazem julgamentos. Já o garoto filho dos anos 90 não tem problemas para compreender homossexualismo e outras questões. Tudo fica a mercê de Tick superar seu pavor e trocar meia dúzia de palavras com o moleque. Ainda fica a dúvida no ar se o menino sempre soubera quem era seu pai, ou se a cena acabou muito cedo e perdemos a "conversa".
Já Felícia, abusada e sem limites, quase apanha feio, mas aparentemente não aprendeu muita coisa. Apenas serviu de pretexto para avançar o relacionamento de Bob (Bill Hunter) e Bernadete. Este último sim melhor explorado. Nem mesmo a piada recorrente, da moça que também está atravessando o deserto, é finalizada. Será que ela chegou?
Divertido, inteligente, bem produzindo e com um elenco incrível em suas caracterizações, Priscilla, a Rainha do Deserto provavelmente foi um filme evento em 1994. Com seu olhar sincero, sem preconceitos ou filtros para o mundo das drags e transexuais. Mas, é 2015, e muitos de nós somos da mesma geração do filho de Tick. Crescemos com o tema em nosso cotidiano e aceitamos numa boa.
Provavelmente Priscilla contribuiu para essa geração com um novo olhar. Mas isso não o salva do problema da expectativa insuperável, criada pela reputação do título. Ao menos os questionamentos ainda são atuais. E nada é mais deslumbrante que paetes e plumas ao vento em um deserto vermelho.
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