Baseado em uma história real, A garota ocidental - Entre o coração e a tradição (Noces, 2017) é um olhar mais aproximado de um dilema cotidiano. Um trecho da vida de uma adolescente muçulmana prestes a se casar obrigada reflete muito sobre mais do que apenas a questão da religião. A transição da adolescência, a mulher na sociedade, as escolhas que fazemos, a busca pela verdadeira identidade, as relações humanas, a expectativas versus a realidade.
A protagonista Zahira (Lina El Arabi) é uma jovem de 18 nos que, como qualquer adolescente, tem inseguranças e incertezas norteando as escolhas mais importantes de sua vida. Em busca de sua verdadeira identidade, acompanhamos os momentos que antecedem a decisão mais importante de sua vida - casar-se e assumir a identidade de sua família paquistanesa ou negar-se a isso e viver a própria vida como qualquer outro jovem?
Zahira (El Arabi): em busca da identidade |
Desde o início o filme é tenso: acompanhamos Zahira em uma entrevista, que depois descobrimos ser de uma clínica de aborto. Ali é possível perceber todo o drama que uma decisão desse porte envolve: a sensação de responsabilidade sobre uma outra vida, uma visão do futuro com (ou sem) a nova vida, as pressões externas da família e da sociedade, a falta de apoio do companheiro. Uma síntese brutal em poucos minutos de filme, e logo compreendemos o mundo da jovem.
As irmãs Zahira e Hina (Marion) tem o diálogo mais marcante: "É claro que é injusto. Somos mulheres." |
A família é de origem paquistanesa e de religião muçulmana, e apesar de estarem habituados a viver em outro país - que ofereceu melhores oportunidades - os costumes devem ser preservados. Com isso, ela deveria "corrigir o erro" de ter sido apenas uma jovem adolescente e logo casar-se com um dos pretendentes que seus pais escolheram. Quanto antes, melhor. Apegada à família, principalmente aos irmãos Amir (Sébastien Roubani) e Amara (Rania Mellouli), ela oscila entre sua intensa vontade de viver uma vida normal e o peso que a tradição tem sobre a vida da mulher que segue a tradição.
Amir (Roubani), o irmão de Zahira: os costumes afetam a todos, porém de forma diferente |
A nós, espectadores, fica claro o quanto a jovem gostaria que houvesse uma saída, um meio-termo onde escolher por uma vida para si própria não significaria perder tudo o que mais amava. E nos dói ser apenas testemunhas dos fatos. Dói não haver saída. A forma como o enredo se desenrola deixa claro que o fim será amargo, não importa se terminando bem ou mal para Zahira. O tom melancólico (sem ser melodramático) está no olhar da jovem, e o trabalho da jovem atriz Lina El Arabi foi simplesmente brilhante: construiu Zahira como uma jovem forte, capaz de lidar com intensas emoções e decisões, mas com uma alma jovem, alegre, divertida. Aliás, o elenco inteiro está espetacular, transmitindo muito do que não é dito no olhar - e dou todo o crédito para a sensibilidade do diretor Stephan Streker.
O olhar de Zahira diz o muito mais do que qualquer palavra |
As mudanças bruscas de atitude da jovem refletem o que é ser adolescente, mas também influenciam no ritmo e na intensidade das reações desse universo onde ela vive. Há muito pouca margem de liberdade sobre várias questões na vida de Zahira, e a difícil fase da adolescência fica ainda mais complicada com o peso extra com o drama familiar. É um filme bonito com um peso enorme, e o silêncio ao subir dos créditos é reflexo do impacto sobre nós.
Não é um filme fácil de digerir, embora seja fácil se encantar com ele. Um filme que marca pela forma direta com que olha nos olhos do espectador e pede para ser visto, notado, e sobretudo pede compreensão ao invés de julgamento - porque se não existe isso, todos só tem a sofrer.
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