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Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi


Mais um longa baseado em livro (no caso, o romance homônimo de Hillary Jordan), Mudbound - Lágrimas sobre o Mississipi (Mudbound, 2017) chega agora às telonas brasileiras sem muito alarde em cima dele. Uma pena, pois esta pérola deveria chegar ao maior público possível. Sem medo de olhar diretamente para um período sombrio da História americana - o período pós-guerra no interior do país, onde o racismo parece ser algo arraigado desde a época da Guerra Civil - e expor todos os nervos sensíveis através da relação de duas famílias, a diretora Dee Rees acerta em cheio ao criar o clima certo, misturando tensão e beleza com forte tom de crítica social.

Os McAllan enterram seu patriarca: as decisões de Henry (Clarke) mudam a vida de todos
O filme começa com os irmãos Jamie (Garret Hedlund - Tróia, Tron: O Legado) e Henry McAllan (Jason Clarke - A Hora Mais Escura, Planeta dos Macacos: O Confronto) cavando uma cova para enterrar seu pai, Pappy (Johnathan Banks - Breaking Bad, Better Call Saul). O trabalho é duro, pois a pesada chuva transforma a terra em lama compacta, e logo percebemos que há ressentimentos escondidos naquele esforço inútil em dar um final digno para o patriarca. Quando fica claro que somente os dois não darão conta do trabalho sozinhos, Henry pede ajuda a seu vizinho Hap Jackson (Rob Morgan, em atuação espetacular). E o que era para aliviar um sofrimento, só aumenta a tensão. É preciso, então, voltar para o começo de onde as vidas dessas famílias viriam a se cruzar.

Hap (Morgan) e o filho Ronsel (Mitchell): duas gerações com formas distintas de lidar com o preconceito racial
Hap é também empregado antigo da fazenda e tinha uma relação minimamente amistosa com Henry e sua família desde que estes a compraram e se mudaram para lá. Henry pouco sabia sobre cultivar a terra, mas sempre teve o sonho de ser um grande fazendeiro como era seu avô - e por mais que ele não quisesse admitir, ele precisava da ajuda de seus vizinhos. Acontece que os Jackson eram negros e os McAllan, brancos - e no Mississipi, todos sabiam o seu lugar. Assim, era com bastante reserva que Henry tratava Hap, e apenas porque ele era a sua fonte de trabalho braçal. Homens de trajetórias distintas, porém com o mesmo sonho de ter uma terra para cultivar. Esse elo invisível se repete em suas mulheres: tanto Florence Jackson (Mary J. Blide, irreconhecível e em belíssima atuação) quanto Laura McAllan (Carey Mullingan) são esposas dedicadas a seus maridos e família, e seriam capazes dos maiores sacrifícios por seus filhos - e nem por isso seu valor era devidamente reconhecido por eles.

Florence (Blidge) e Laura (Mulligan): o sexismo é mais uma das características que unem e, ao mesmo tempo, separam as duas personagens
O mesmo paralelo surge com Jamie e Ronsel (Jason Mitchell - Straitgh Outta Compton, Kong: A Ilha da Caveira), os orgulhos das famílias. Ambos foram recrutados pelo exército americano para combater na Europa durante a Segunda Guerra e conseguiram sobreviver para voltar para casa como heróis, veteranos de guerra - mas se o mundo mudou após os acontecimentos, eles vão descobrir que no interior do Mississipi as coisas continuam exatamente como eram. Pappy McAllan faz questão de nos lembrar o tempo inteiro disso.

Pappy McAllan (Banks): o pior é saber que, ainda hoje, existem pessoas que pensam - e agem - como ele
O resultado é arrasador: foram apenas quatro indicações ao Oscar 2018, mas são todas históricas. Mary J. Blide merecidamente concorre em duas categorias: Melhor Canção por "Mighty River", composta e performada por ela, e como Melhor Atriz Coadjuvante - e tornou-se a primeira atriz a ser indicada em duas categorias em duas categorias numa mesma edição do prêmio e por ser a primeira indicada por atuar em um filme dirigido por uma mulher negra. Outro momento histórico é a indicação de Rachel Morrison, primeira mulher a ser indicada por Direção de Fotografia nos 90 anos em que existe a premiação. A quarta indicação vai para o Roteiro Adaptado de Virgil Williams e Dee Rees. Seria difícil digerir a brutalidade do que se passa na tela sem que houvesse a poesia do roteiro, que transforma as palavras fortes em falas memoráveis, que levam à reflexão profunda conforme te impactam. São diálogos e narrações poderosos enfatizados por uma atuação primorosa de todo o elenco. 

Ronzel e Jamie (Hedlund): veteranos que buscam nas tardes de conversas sobre a guerra algum sentido para a vida
O investimento da Netflix, produtora do filme, em longas de ficção mostra-se louvável. Já há alguns anos competindo em premiações com seus documentários e séries, o canal mostra que tem força para investir em projetos desse porte. Pessoalmente, torço para que o filme tenha tanta repercussão no cinema como a maioria das séries do canal de streaming tem para que haja espaço para a diversidade nas grandes premiações. O cinema e o público só tem a ganhar, e a agradecer.

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