A Livraria (The Bookshop, 2017) chega aos cinemas brasileiros já laureado com os prêmios Goya de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. A co-produção de Espanha, Reino Unido e Alemanha adapta a obra homônima de Penelope Fitzgerald para o cinema e retrata a paixão de uma jovem viúva pelos livros, seu último refúgio.
Florence Green (Emily Mortimer) torna-se viúva durante a Segunda Guerra e acaba se adaptando à pequena cidadezinha de Hardborough. Lá, o clima instável parece se adaptar perfeitamente à sua melancolia. Para fugir da solidão deixada pela falta do marido e distância de outros parentes, ela mergulha de cabeça em uma idéia um tanto desafiadora: deseja abrir uma livraria em uma casa abandonada da cidade.
Sua empreitada já começa com
passos incertos: ela não conhece o mercado literário a não ser pelo seu amor
por livros e sua crença de que, com eles, ninguém está sozinho. Florence tampouco
entende de gerenciamento de negócios, mas mantém-se firme em seu propósito
apesar das desconfianças do gerente do banco ou de seu advogado. Ela investe
todas as suas economias na compra e reforma do lugar para realizar seu sonho.
Mas não é só desconfiança dos investidores que ela vai ter que enfrentar.
A “revolucionária” ideia de Green
despertou a vaidade de uma poderosa senhora da sociedade local. Violet Gamart (Patricia
Clarkson, deliciosamente maléfica) se mostra impressionada com a ideia da
jovem, mas ela própria tem outros planos para a Old House – a casa onde Florence mora
e irá montar seu negócio. Decepcionada por não conseguir o apoio que esperava
receber, ela se manteve firme em seu propósito, apesar da descrença da cidade. E,
obviamente, o sucesso da livraria frustrou os planos de Violet em construir ali um
Centro de Artes. Mas a dama, assim como a viúva, não era mulher de desistir tão
fácil assim de seus planos.
Aos poucos, a livraria acontece e Florence contrata até mesmo uma ajudante, Christine Gipping (Honor Kneafsey, um achado). A
criança é bem mais madura do que a maioria, e torna-se uma das poucas amizades
verdadeiras dela. A única outra, e talvez a mais valiosa, é a do recluso senhor
Edmund Brundish (Bill Nighy, em estupendo desempenho): um ermitão que partilha com Florence o amor
pelos livros. Sendo seu primeiro e mais fiel cliente, ela sempre sugere alguns
títulos para sua apreciação. Mas ao chegar às suas mãos o lançamento “Lolita”,
de Wladimir Nabokov, ela não sabe o que fazer. Seria escandaloso demais para
aquela pequena cidade? Ou eles precisavam mesmo de seu trabalho hercúleo de
levar boa literatura para aquele canto esquecido do mundo?
De forma cativante, somos levados
a acompanhar todos os percalços enfrentados por Florence Green para que sua livraria
existisse. É como se uma fábula agridoce se desenrolasse diante dos nossos
olhos, em tons pastéis de solidão e melancolia porém recheados de olhos vivos, alimentados
pela paixão pelos livros. A diretora espanhola Isabel Coixet nos brinda com um drama contido e acerta
em todas as suas escolhas, principalmente em duas delas: o ritmo deliberadamente
lento, quase parado, para mostrar o quanto aquela vida arrastada pode sufocar alguém
sem a coragem da protagonista para mudar; e o tom, melancólico sem ser triste, e eu diria
até esperançoso. A delicada força da protagonista é o ponto de equilíbrio dessa
linda estória.
A bela fotografia de Jean-Claude Larrieu realça a
ótima produção de arte e o desempenho dos atores: a fria cidade, a sobriedade e
dureza das pessoas de lá, a falsa beleza que se esconde no brilho e calor quase
sufocantes da mesquinhez dos ricos contrastando com o verdadeiro fogo – vivo e
aconchegante – no brilho do olhar dos amantes dos livros. O quarteto principal,
formado por Mortimer, Clarkson, Nighy e a pequena Kneafsey é impecável em seu
desempenho, com destaque para os dois últimos. Ambos representam duas gerações
distintas, mas tem a mesma entrega a seus personagens: ele magistralmente deixa
escapar as sutilezas da alma do velho lobo solitário típico e o torna humano
novamente; ela surpreende com o domínio das nuances bastante maduras de uma
criança fora do comum.
A pequena Christine (Kneafsey) é, curiosamente, o contrapeso da inocência de Florence: personagem fascinante |
A Livraria é um filme memorável,
feito para os amantes de livros. Para o grande público pode ser uma experiência
diferente, uma vez que esse não é um típico romance ou megaprodução – mas quem
disse que o diferente não pode ser interessante? Como todo bom livro, o longa envolve
do início ao fim em personagens cativantes e lindas paisagens tristes, faz rir
das ironias da vida e revoltar com as injustiças, abriga, ensina, devolve a
esperança.
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