A premissa de Vingança (Revenge, 2017) é muito boa: uma jovem busca vingança contra os homens que a brutalizaram e deixaram para morrer no deserto. A vingança acontece, mas de forma mais violenta do que a imaginada. Tecnicamente bem trabalhado (com destaque para a Fotografia, que brinca com ângulos e cores vibrantes), o filme da diretora Coralie Fargeat - e também roteirista deste longa - se destaca pelo tom empoderado da protagonista (que na maioria dos filmes desse estilo são meramente a vítima que desencadeia a vingança) e por ser falado quase em sua totalidade em francês, além das grandes atuações do pequeno elenco. Porém, como um filme Trash - mesmo disfarçado de Thriller de Ação e Suspense - ele foi pensado para agradar aos fãs de seu nicho. Então, prepare-se para muito sangue (mesmo) e altas doses de sensualidade.
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Richard (Janssens) e Jen (Lutz): casal chega para o exclusivo fim de semana romântico |
Jennifer (Matilda Lutz) é uma jovem que sonha ser atriz em Hollywood e que acaba se envolvendo com um homem rico e poderoso. Casado, Richard (Kevin Janssens) usa de brechas na agenda para namorar sua amante. Em um fim-de-semana no deserto, onde apenas o casal desfrutaria de uma mansão e da bela paisagem, os dois são surpreendidos por uma dupla de amigos de Richard. Stan (Vincent Colombe, espetacular) e Dimitri (Guillaume Bouchède) chegaram mais cedo para a temporada de caça, acabando com o clima romântico. E o que era para ser um sonho acaba se transformando em um pesadelo.
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O invejoso Stan (Colombe) não hesita em cometer um crime apenas para satisfazer seu ego |
Stan a deseja também, e, aproveitando um momento em que Richard não está em casa, ela a estupra - com a conivência de Dimitri, que nada faz para impedir o abuso. Quando o namorado retorna, a situação piora para Jen: ao invés de protegê-la, ele tenta suborná-la para que nada daquilo venha à tona. Ao ameaçar contar para a esposa dele sobre o romance caso ele não fizesse nada, Richard torna-se violento. Acuada e sozinha, Jen tenta fugir a pé pelo deserto, mas é encurralada pelos três homens e jogada de um penhasco. Enquanto eles pensam em álibis e estratégias para se livrar do crime e do corpo de Jen, ela sobrevive e busca forças para se vingar dos seus malfeitores. E é aqui que começam os problemas.
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Jen depois da queda: prepare-se para um literal banho de sangue |
Há muitos furos no contexto da queda e “ressurreição” de Jen. É bastante improvável que tivesse conseguido sobreviver àquela queda, quanto mais ter forças para conseguir planejar uma vingança contra os homens que a perseguem. Vale lembrar que, na queda, ela atingiu uma árvore e foi trespassada na barriga por um de seus galhos. É bem provável que tenha partido a coluna também, mas tudo isso é ignorado: Jen tem um jeito engenhoso (à la MacGuyver) de sair daquela situação - e mesmo com um pedaço do tronco ainda em seu corpo e sangrando em profusão, emenda uma bem-sucedida fuga à pé dos assassinos motorizados. Difícil de acreditar? As coisas vão ficar ainda mais estranhas. Extremamente debilitada, ela se torna uma caçadora implacável e extremamente habilidosa, capaz de usar armamento pesado contra os seus caçadores (que são muito mais experientes que ela no assunto). Eu mencionei que ela estava descalça o tempo todo durante essa perseguição? E que sua única fonte de energia depois da violência dentro da casa foi meia lata de cerveja quente? Pois é.
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De caça à caçadora: difícil acreditar que é a mesma mulher que caiu do penhasco |
Os fãs de
trash, porém, podem estar acostumados a relevar essas incongruências se as cenas com sangue forem impactantes - e, nesse ponto, eles não vão se decepcionar. Há espaço para muita violência, com direito a entranhas expostas, miolos voando, pessoas banhadas no próprio sangue e no de outros também. O efeito é ainda mais forte porque, em boa parte da cenas, a situação não é absurda, do tipo inacreditável - apesar da quantidade de sangue ser extremamente exagerada. Para quem não está acostumado, porém, pode ser de embrulhar o estômago - algumas cenas são quase intragáveis. Mas aqui entram os méritos do filme: apesar de tudo, o clima de tensão impresso por Fargeat se mantém do início ao fim. Desde a parte inicial, com os homens cercando Jen em um ambiente apenas aparentemente amigável, até a parte final - com um plano-sequência de perseguição de prender a respiração - a sensação de que aquilo não vai acabar bem faz o espectador ficar atento o tempo todo. E é exatamente isso o que faz com que o espectador geral aguente a tanto horror na tela.
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Stan e Dimitri (Bouchède): cúmplices |
Outra grande sacada foi ver que os três homens representam os tipos de agressor que uma mulher pode encontrar na vida: Richard é o cara que finge estar apaixonado, mas só quer uma distração do casamento e cuidar de sua reputação; Stan é o machista que trata mulher como objeto; e Dimitri é o omisso, que finge não ver o abuso e que, na hora de agir, se junta aos agressores ao invés de defender alguém em clara situação de desvantagem. Tudo isso seria uma ótima forma de analtecer a coragem e a força de Jen, mas a personagem perde força ao ser explorada como um fetiche. A intenção é ótima e super-válida a tentativa de criar uma obra diferente, ainda mais quando se tem uma mulher atrás das câmeras em um gênero dominado por produções feitas por e para homens. No fim, ela acaba resumida à uma justiceira sensual, cheia de cicatrizes, que corre um deserto descalça e armada até os dentes para matar sua sede de vingança. Ainda assim, assistir a
Vingança é uma boa oportunidade de experimentar uma ótica diferente sobre um gênero que apresenta poucas variações de tema.
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