A Favorita (
The Favourite, 2019) retrata uma figura histórica pouco retratada da realeza inglesa: a rainha Anne, que governou a Grã-Bretanha no início do século 18. Em um período conturbado, com a ameaça jacobita na ilha (irlandeses queriam se desligar do império britânico e se tornar independentes) e a invasão da França em apoio à Espanha ocorrendo no continente, a rainha Anne ainda tinha que lidar com a saúde extremamente frágil e a luta por influências no parlamento. É esse trecho da História, contada pelo viés das possíveis duas amantes da rainha, o pano de fundo onde se desenvolve a trama do filme.
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Abigail (Stone) chega ao palácio: tudo o que havia perdido estava de novo ao alcance da mão |
Abigail (Emma Stone) é uma jovem rica que caiu de posição na sociedade. Ela busca apoio na prima de seu pai, a influente Lady Sarah Marlborough (Rachel Weiz) - esposa do Conde de Marlborough (Mark Gatiss), comandante do exército inglês - e amiga da própria rainha Anne (Olivia Colman, fabulosa). Ali ela consegue um emprego como criada do palácio, mas a jovem é inteligente e ambiciosa e não vai sossegar enquanto não conseguir reaver seu status.
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Lady Sarah (Weisz) explora a amizade com a rainha Anne (Colman), embora haja verdade no sentimento entre as duas |
Enquanto isso, Lady Sarah usa de toda sua influência sobre a rainha para comandar: além de controlar as finanças do castelo e a rotina da rainha, ela se auto-intitula porta-voz da mesma, participando de reuniões políticas e orientando as decisões da soberana para favorecer a si e ao marido em campo de batalha, o que irritava bastante a Robert Harley (Nicholas Hoult), presidente da Câmara dos Comuns - e que tentava, sem sucesso, alertar à rainha sobre os gastos absurdos da guerra infrutífera que Sarah a estava convencendo a sustentar. Anne, adoentada e nem sempre lúcida, dependia da amiga e amante Sarah mais do que os súditos poderiam imaginar - porém Abigail estava disposta a se tornar a nova favorita da rainha.
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Recorte delicado e interpretação maravilhosa de Olivia Colman |
Embora os fatos reais para a rixa entre Sarah e Anne (que comprovadamente tinham um histórico de amizade forte e turbulenta) fossem motivações políticas nos relatos oficiais, é o romance entre elas e as consequências da intromissão de Abigail que desenham o roteiro de Deborah Davis e Tony McNamara. Mas é a frágil figura de Anne, e a magistral interpretação de Olivia Colman (que ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz por este papel), que sustenta o filme. A história trágica dessa mulher, que sofre de gota, que perdeu 17 crianças ao longo da vida, que era retratada como fraca e manipulável (embora, historicamente, seu curto reinado tenha sido um dos mais sólidos e ela uma das monarcas mais ativas) emociona e sensibiliza.
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Figurino, produção de arte e atuações extraordinárias das atrizes principais são o ponto forte |
Esse é o grande mérito do diretor Yorgos Lanthimos: humaniza as três protagonistas e extrai grandes interpretações das atrizes. Anne não é apenas uma rainha medrosa e risível, Sarah não é uma mulher insensível, Abigail não é uma jovem e ingênua dama. Um trio poderoso, que usa as armas de que dispõem para se sobressair na corte, para serem respeitadas - porém, cada uma à sua maneira. Como um bom filme inglês, é um drama bem humorado, ácido e perspicaz, mas sobretudo é um Drama. Não espere situações de comédia em sequência, como muitos podem ser induzidos a pensar ao ler a classificação de gênero em alguns locais.
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Uso da grande angular equivocado: não influencia no sentido da cena e causa incômodo |
Com boa produção de arte e figurino, a fotografia deixa um pouco a desejar - sem realmente atrapalhar a experiência como um todo. Apenas é desnecessária a deformação da imagem em algumas tomadas, pois elas em nada acrescentam em significado à cena - porém, como não é tão recorrente ao longo do filme, incomoda sem prejudicar o resultado final. O final em si, termina em aberto e deixa margem para a especulação do espectador - e esse, sim, pode ser um problema. Por um lado, fica óbvia a relação estabelecida - mas o sentimento fica vago, perdido. Para mim, foi um pouco frustrante, pois poderia ter sido melhor realizado de outra forma e deixar mais claras as consequências. No entanto,
A Favorita chega aos cinemas com essa característica da curiosidade histórica, o humor britânico e a maravilhosa interpretação de Olivia Colman - e só isso já vale o ingresso.
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