É preciso disposição para encarar quase quatro horas de filme: eu bem que tentei, mas só consegui assistir a Lawrence da Arábia em duas etapas. É lento sim (espere por muitas cenas de areia, deserto, e mais areia, e mais deserto pela frente) e não é dos mais fáceis de se assistir, mas temos que reconhecer que é uma superprodução com muitas qualidades, a começar pelo roteiro e pela direção. É uma história bem contada sobre um protagonista que não cai no lugar comum, com direito a belas imagens. A primeira coisa que me veio à cabeça foi: imagina filmar no meio do nada, com aquela quantidade imensa de figurantes! Deve ter dado um trabalho e tanto (e é bom lembrar que o filme é de 1962!).
O principal tema do filme (como se pode deduzir pelo título) não é a guerra propriamente dita, mas seus efeitos em um homem. Lawrence é um personagem e tanto: um inglês no meio de uma guerra que não era sua, que conseguiu convencer muita gente a segui-lo fazendo falsas promessas de liberdade. Não podemos acreditar que ele fosse tão ingênuo, certo? Mas o efeito mais devastador de toda essa história foi sua fama repentina, seu reconhecimento entre os árabes e no próprio exército britânico. De uma hora para outra, o sucesso subiu-lhe à cabeça, e ele passou a acreditar que podia tudo, que seu nome valia mais que dinheiro para motivar os soldados a seguir em frente. Até mesmo que "só uma bala de ouro poderia matá-lo". E, de repente, a vida dos oponentes não têm mais tanto valor. Transformado em herói também pelas reportagens de um jornal americano cheio de segundas intenções (uma boa cutucada na imprensa), não é difícil entender por que ele chega a admitir: "Ok, eu sou extraordinário". Viu só o perigo? O fim não poderia ser mais perfeito: antes da volta para casa, onde ele volta a ser um homem como outro qualquer.
Por tudo isso, preciso dizer aqui que fiquei bem decepcionada com a interpretação de Peter O'Toole, afetada demais em certos momentos, beirando até a canastrice. Não é todo dia que se tem um personagem desses nas mãos! Mas vamos dar um desconto, era o primeiro grande trabalho dele no cinema. Cabia então ao diretor David Lean aparar as arestas. Já o restante do elenco, que inclui Omar Sharif, Alec Guinness e Anthony Quinn, é um luxo só: todos estão impecáveis.
Fora as questões técnicas, vai dizer que você também não ficou impressionado com Lawrence voltar sozinho para buscar um homem que ficou para trás, quando os próprios homens do seu povo nem se importaram em seguir em frente? E quando ele volta, e é aclamado como um verdadeiro árabe? Ou quando o inglês é obrigado a matar um de seus empregados porque "não deixamos feridos para os turcos"? É interessante ver uma guerra diferente para nós, acostumados aos tanques, mísseis e caças das batalhas ocidentais, só para variar. Um filme que fala também da real dificuldade de se unir o que nós chamamos de um mesmo povo. Os "árabes" no filme não passam de uma identidade imaginária: as várias tribos são tão diferentes entre si, e levam isso tão a sério, que às vezes parecia mais fácil eles se unirem aos ingleses ou aos turcos do que chegarem a uma união de verdade. Isso faz a gente pensar um pouco que as coisas são muito mais complexas do que aparentam.
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