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O rei está só

Puyi sendo coroado Imperador. E ele só queria ir embora pra casa... 
O último imperador (The last emperor, 1987) é um filme belo e incômodo como poucos. Tudo bem que eu achei um pouco longo demais, mas a demora na passagem do tempo tem sua explicação e função. E isso torna o filme grande, mais do que só bonito. Além de contar uma estória pouco conhecida, a da revolução política da China, através de uma ótica super incomum, o filme trata sobretudo de solidão. E nesse ponto, todos conseguem se identificar com o imperador, mesmo que não tenha nem um décimo da fortuna que ele teve. Uma jogada de mestre.

Bertollucci acertou em cheio ao escolher os atores que interpretariam o personagem principal, o manchu Aisin-Gioro Puyi, o último imperador da China. O carismático menininho cativa a gente desde o início, o jovem rapaz consegue passar o drama de ser o único menino na Cidade Proibida e o homem Puyi, cheio da esperança de reaver seu poder, e completamente desesperançado na prisão. A figura do imperador é a mais importante em todo o filme, que gira em torno dele como a órbita de um planeta ao redor do sol. O que significava que era o imperador na época de glória da China imperial. As metáforas são muitas, a compaixão pelo drama do imperador é quase imediata. Ninguém quer ser sozinho na vida, e ele foi obrigado a ser sozinho desde os 3 anos. E pior, foi mantido na solidão e isolamento do mundo por motivos alheios a ele. É de uma crueldade e um egoísmo impressionantes. 

Obrigado a deixar sua cidade, começa o processo de "apagar" a sua própria história
No filme vemos como o pequeno Puyi foi escolhido e mantido como o imperador enquanto o país inteiro passava por uma revolução política. Tendo em vista que um dia a revolução poderia regredir e o imperador voltar a ter o poder supremo (e, logicamente, aqueles que se mantiveram fiéis a ele teriam privilégios). Sendo negado a tudo, inclusive à informação e principalmente ao contato com outras pessoas - por medo de envenenamento ou por não ser adequado à posição de imperador, Puyi vivia só numa cidade povoada por eunucos, esposas, amas de companhia e outros tutores. Tudo estava fora do controle apesar da aparente normalidade (e, acima de tudo, da formalidade) do local. Somente com a chegada no novo tutor, o escocês  Sir Reginald Fleming Jonston (Peter O'toole) é que o jovem imperador começou a ter consciência de que havia coisas que ele não sabia. E a descobrir pequenos prazeres, como andar de bicicleta por exemplo. O cerco se fecha, e a revolução não vai voltar atrás. Sabendo disso, muitos eunucos já começavam a roubar as coisas do palácio e a vender na cidade. A sobrevivência era maior que o orgulho de pertencer aos poucos privilegiados da Cidade Proibida. Quando Puyi decide que Jonston vai ser o responsável pelas finanças e pelos estoques, os próprios eunucos puseram fogo no armazém . Então quando ele percebeu que até mesmo os que ele considerava sua família (o tinham visto crescer, e eram as únicas pessoas no mundo que ele conhecia) estavam tramando contra ele, Puyi soube que estava sozinho. 

As consequências de seus atos, em que tentava reaver o poder perdido, em que queria realmente assumir o controle sobre a própria vida, e tentava voltar pra sua terra, a Manchúria e ser imperador de seu país foram terríveis. Abandonado pelos chineses, enganado pelos japoneses, pego pelos russos, Puyi foi parar na prisão de Mao, onde ele tinha que reaprender a própria história e como a China era muito melhor sem ele. A forma como ele aprendia isso, de forma a confessar seus "crimes" escrevendo e reescrevendo a sua história até que ela se transformasse na história que a China queria que fosse verdade é deprimente. O filme, aliás, é todo costurado entre as lembranças de Puyi e a realidade na prisão e termina de forma comovente, quando acompanhamos o triste fim de um imperador deposto em prol do comunismo. Todo o luxo, riqueza e importância foram tirados dele a fórceps, e com isso, o sentido da vida de Puyi. Morrer na miséria, abandonado e esquecido pelo povo, perdendo todos os que amava (seja para a morte, para a loucura ou para a Revolução), talvez até mesmo se esquecendo de si mesmo... Para aquele que fora escolhido para ser o Imperador dos Próximos Mil Anos... É a coisa mais triste que poderia ter acontecido. E assim aconteceu. Puyi foi um menino imperador de verdade, que morreu no esquecimento de verdade. Ele cresceu só, e morreu ainda mais solitário. 

Já preso há muitos anos, sendo levado pelo esquecimento. Triste fim daquele que deveria ser reverenciado por 10 mil anos
De uma beleza ímpar, uma fotografia inteligente e sensível, atuações marcantes de todo elenco e uma história rica para contar. Tocante sem ser piegas, político sem levantar bandeiras, humano. Excelente filme para quem tiver coragem de encarar as quase 4h em frente a telinha.

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