Nós

Nós (Us, 2019) é a nova empreitada do diretor Jordan Peele, ganhador do Oscar de Melhor Roteiro Original pelo ótimo suspense de 2018 Corra!. Era quase impossível não criar altas expectativas sobre esse projeto, uma vez que o primeiro foi bem concluído, executado e laureado esse ano. Assinando roteiro e direção novamente, o Peele mostra que tem muitas boas e apavorantes ideias a serem mostradas guardadas na manga.

A pequena Adelaide (Curry) passa por uma experiência que afetará sua vida na casa dos espelhos

Tudo começa com um incidente traumático com a pequena Adelaide Wilson (Lupita Nyong'o): em uma noite aparentemente tranquila, a criança se distancia dos pais enquanto passeavam por um parque de diversões à beira da praia de Santa Cruz e acaba perdida em um dos brinquedos - um labirinto de espelhos assustador. Anos depois, já com sua família formada, Adelaide retorna à cidade para passar as férias. Mesmo que suas lembranças sobre o lugar não sejam as melhores, ela quer que os filhos Jason (Evan Alex) e Zora (Sahadi Wright Joseph) possam desfrutar de um pouco de ar puro. O mais empolgado com os planos é seu marido, Gabe (Winston Duke), que às vezes parece mais criança que os filhos.

A família Wilson é encurralada por seus duplos/sombras

Mas a aparente tranquilidade se perde quando Jason se perde por alguns minutos na praia: ativando gatilhos psicológicos traumatizantes, Adelaide entra em uma crise paranoica. E, para completar, a família acaba sendo refém dentro de sua própria casa pelo grupo mais estranho de sequestradores: versões sombrias de si próprios, que se denominam sombras, e que planejaram por muito tempo cortar o laço que os une em uma espécie de universo paralelo onde tudo é sofrimento. Red é a sua versão sombria, enquanto Abraham é a de Duke, Umbrae, a de Zora, e Pluto é o oposto de Jason. Com todo o terror envolvido, eles ainda descobrem - da pior forma possível - que esse não é um evento isolado.

Lupita Nyong'o: interpretação acima do tom em boa parte do longa

Apesar dessa ótima premissa, Nós não repete o efeito sufocante que o roteiro de Corra! causa no espectador. Buscando uma vertente mais de terror, o diretor opta por ataques sangrentos e  poderia ser muito mais tenso e assustador se não fossem algumas falhas críticas no roteiro e a escolha pelo clichê do susto fácil. O principal problema é que a explicação para o fenômeno não convence, não há um propósito claro para que o fenômeno do levante aconteça e a grande revelação final não surpreende o espectador mais atento. A sensação é de que essa é uma primeira versão do roteiro, ainda não refinada: um pré-projeto cheio de potencial, mas que ainda precisava de ajustes para fechar as pontas soltas. E incomoda também a atuação de Nyong'o: falta sutileza na fragilidade de Adelaide e sobra caricatura em Red, sua versão sombria versão.

Gabe (Duke): um dos melhores personagens da trama, funciona como o equilíbrio da família e alívio cômico

Merece destaque a pequena participação de Elizabeth Moss como a amiga de Adelaide, Kitty Tyler. O contraponto entre as famílias é bastante interessante, mas é a atuação de Moss que realmente faz valer a pena a existência desse núcleo. O toque de humor refinado garante a diversão: a personalidade de Gabe e algumas boas sacadas trazem o riso genuíno, o toque de alívio cômico que funciona mesmo que o restante não esteja em perfeita sintonia, sem que atrapalhe o desenvolvimento da estória. O visual dos duplos certamente irá se tornar icônico entre os fãs do gênero, assim como também merece elogio a trilha sonora. Sendo assim, Nós é uma opção para quem procura entretenimento sem maiores questionamentos.