Katharine Hepburn e Baby, o leopardo mais fofo do cinema |
Já falei aqui algumas vezes que eu tenho uma certa implicância com traduções esdrúxulas de títulos de filmes, mas no caso de Levada da breca, eu até perdoo. Apesar da gíria horrorosa e antiquada, o nome em português dá destaque ao que realmente importa na comédia de Howard Hawks: a personagem de Katharine Hepburn. Maluquinha (ou excêntrica, como prefiram), determinada e imprevisível, Susan é quem salva o filme do marasmo total. Bringing up Baby (no original) evidencia justamente o que o longa tem de mais fraco: a história, pouco elaborada e sem grandes atrativos. Aliás, não fossem os nome de Cary Grant e Katharine nos créditos, duvido que estivéssemos falando da obra hoje.
Você já deve ter visto em algum lugar um casal que se conhece numa situação adversa, logo se odeiam, mas são obrigados a conviver durante algum tempo, o suficiente para descobrirem que estão atraídos um pelo outro. Basicamente é esse o mote do filme, com uma diferença: ela se dá conta disso, ele continua com um pé atrás até o último minuto. Acontece que o mocinho, o arqueólogo David Huxley, é comprometido e está prestes a se casar. Aí é que os roteiristas roubam no jogo: constroem uma noiva tão chata e apagada para ele que a gente até se esquece dela durante a projeção.
Que diálogo foi aquele sobre abrir mão de uma lua de mel e de filhos de maneira tão pragmática? Os conselhos sobre "não use gírias, lembre-se de quem você é" e "você deve causar uma boa impressão" também transmitem a ideia de uma pessoa fria, calculista e autoritária. A intenção, claro, era criar antipatia por ela já nesse momento, facilitando a torcida pelo casal David e Susan. Mais ainda: uma tentativa de justificar o futuro relacionamento dos dois, sem dar espaço a questionamentos do tipo: "Mas ele vai trair a noiva? Ela não merece!". Compreensível, só que não não era necessário pesar tanto a mão.
O (irritante) cachorrinho George também rouba a cena |
O repentino interesse de Susan por David, que poderia muito bem ser um capricho de alguém tão voluntariosa, também é transformado em algo muito mais sério de uma hora para outra. Em apenas um dia ela descobre que ele é o único homem que ela amou na vida! Óbvio que todo mundo já imaginava que os dois ficariam juntos, mas ficou um pouco forçado, não? Ou em 1938 as coisas eram bem diferentes ou foi um exagero desnecessário mesmo.
Quanto à trama propriamente dita, a ida de um leopardo brasileiro (!) para Connecticut realmente parece surreal, mas acaba criando situações que movimentam bem o filme com um tipo de humor ingênuo, quase infantil. Mas isso seria pouco sem o charme atrapalhado de David e a incrível cara de pau de Susan, que mente, rouba, engana, agride e infringe não sei mais quantas leis em apenas 102 minutos sem perder a graça e a simpatia do espectador, que, no fundo, sabe que ela é boa pessoa. Capaz de simular o ataque de um animal selvagem para chantagear o arqueólogo sem o menor peso na consciência ou de destruir o trabalho que ele levou anos para terminar em segundos, ela merece mesmo o título do filme. Que seja Levada da breca, então.
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