Extraordinário (Wonder, 2017) é daqueles filmes família que pegam a gente desprevenido. Seria de se esperar que num longa que narra a adaptação de um menino de 7 anos que nasceu com uma deformidade ao mundo houvesse muitas lágrimas (e elas vêm, não se preocupem), porém o tom do filme é totalmente positivo e otimista. Baseado no best-seller de R. J. Palacio, ganhador do prêmio Mark Twain Readers Award (voltado para o público infanto-juvenil), a história de Auggie é uma lição de amor ao próximo como pouco se vê.
Auggie (Jacob Tremblay, de O quarto de Jack) é um menino como outro qualquer: adora brincar e sonha ser astronauta. Ele também é muito sortudo, pois vive com a família em uma casa bonita e todos ao seu redor o amam incondicionalmente. Acontece que Auggie não é um menino comum: por causa de uma má-formação congênita, desde bebê ele preciso passar por diversas cirurgias que salvaram sua vida - porém não conseguiram trazer ao pequeno uma aparência normal. Dentro de casa ele recebe o apoio dos pais, Nate (Owen Wilson) e Isabel (Julia Roberts), da irmã Via (Izabela Vidovic) e até da cachorrinha Daisy. Mas ele tem péssimas experiências com o mundo fora daquela bolha familiar.
Auggie (Tremblay) indo para a escola pela primeira vez: capacete e apoio da família para se sentir mais confiante |
Auggie tem uma imaginação muito fértil e é muito inteligente para sua idade - sua mãe havia se dedicado à sua educação em casa, mas agora ele precisava encarar uma nova etapa: ir para uma escola regular. Apesar de assustado, Auggie recebe o incentivo da família e o apoio do diretor da escola, o Sr. Tushman (Mandy Patinkin) - cuja tradução de nome para Sr. Buzanfa é sensacional - e o professor Browne (Davee Diggs). Alguns alunos foram selecionados para ajudá-lo na adaptação antes das aulas começarem, como o riquinho Julian (Bryce Gheisar), a mini esrela Charlotte (Elle McKinnon) e o bolsista Jack Will (Noah Jupe).
A jornada de amadurecimento de Auggie é fascinante e emocionante, além de obviamente ser o foco da história. E é aí que o filme surpreende: o universo dele não se resume apenas à sua perspectiva, mas à dos outros jovens que passam na sua vida e como o mundo deles foi afetado pela presença de Auggie. Aliás, nem só dos jovens: a pequena participação de Sônia Braga (quase relâmpago, diga-se) parece reforçar a ideia do quanto todos precisam de atenção - e não só o pequeno. A tênue linha que separa o normal do extraordinário é explorada em diversas nuances e ângulos, o que torna essa estória uma delícia de acompanhar ao invés de um possível sofrimento melodramático nível hard.
Mr. Tushman (Patinkin): a prova de que ninguém é imune à ridicularização |
É interessante perceber que somos levados a reparar no que é invisível, como a dedicação da mãe que interrompe todos os planos da vida para ajudar o filho, a filha que não sabe bem onde se encaixar na dinâmica familiar pós-Auggie, os amiguinhos que aprendem a lidar com o diferente a seu jeito. Tudo isso regado a muito bom humor. Não é que você vá gargalhar de sair com a barriga doendo, mas algumas situações são realmente divertidas - algumas tiradas das crianças são impagáveis, e muitas situações corriqueiras também deixam o espírito mais leve e ajudam a equilibrar os momentos mais pesados. Inevitável ficar com o coração apertado ao ouvir Auggie expressar sua angústia por causa do preconceito, ou a sensação de estar sempre em segundo plano na vida dos pais como acontece com Via.
Os dilemas humanos e universais de aceitação e pertencimento são tratados nas entrelinhas - e o maior mérito de tudo é saber que as crianças serão capazes de apreender isso pela lição de vida que é a história de Auggie. Também é um alívio ver que ainda é possível tratar de temas tão delicados como preconceito com tanta naturalidade e leveza, sem nenhum tipo de discurso de ódio. Naturalidade, aliás, parece ser o fio condutor do longa: é normal ser diferente, é normal ficar deslocado de vez em quando, é normal retomar a vida quando temos a oportunidade. Fica quase impossível não se apegar à família Pullman e a forma doce e amorosa como eles enfrentam os desafios juntos. Um reforço e tanto no discurso do perdão e da empatia, tão necessário em tempos extremados como enfrentamos atualmente. Um filme tipicamente natalino e americano, mas sem aquele ar piegas e clichê de neve, milagre de natal e sentimentalismo barato.
Auggie e Nate (Wilson): nem tudo é sobre a condição do garoto |
Desde a produção de arte até a escolha do elenco, tudo nesse filme é acertado. A pesada maquiagem que o pequeno Tremblay usa para desfigurar seu rosto é um acerto duplo: por ficar tanto tempo no ar, ela precisa ser no limite do visual agradável aos olhos e deixar que o talentoso ator mirim consiga se expressar - e ela permite ao público ter empatia com Auggie e que Jacob brilhe em sua interpretação. As crianças, aliás, são um achado. Todas, mesmo as que pouco interagem com Auggie, dão conta de interpretar sentimentos muito intensos como empatia e preconceito de forma natural. Há passagens hilárias e bastante nerd, e combinam com a personalidade especial do personagem principal.
Jack Will (Jupe) e Auggie: elenco mirim dá show de interpretação e simpatia |
Definitivamente, Extraordinário tem tudo para agradar ao público. É filme para levar a criançada e depois debater com elas, mostrar que é possível vencer o preconceito e fazer a vida de todos muito mais feliz - ou menos difícil. Simplesmente imperdível, é para se divertir e se emocionar: não esqueçam dos lencinhos!
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