Simonal (Simonal, 2018) chega aos cinemas prometendo contar a história de um dos maiores cantores da MPB. Fenômeno popular, acabou sendo acusado de colaborar com a ditadura durante os anos de chumbo e viu sua carreira afundar - sem jamais ser totalmente ressuscitada.
O filme começa em expectativa: a casa de show lotada aguarda a entrada do grande nome da noite - mas quando Simonal (Fabrício Boliveira) sobe ao palco, a recepção não é a esperada. É preciso voltar no tempo para entender o que aconteceu. No começo da carreira, Wilson Simonal fazia parte de um grupo musical chamado Dry Boys e ganhava uns trocados no fim de semana - porém, ele queria poder também desfrutar daqueles locais onde trabalhava. Em uma oportunidade na rádio, o produtor Carlos Imperial (Leandro Hassum) enxerga o talento de Simonal e aposta nele - desde que seja em carreira solo. Assim, a parceria com o amigo Eduardo Moran (Sílvio Guindane) e os outros companheiros termina, e ele vai trabalhar como assistente de Imperial.
Ísis Valverde interpreta Tereza, primeira esposa de Simonal |
Fazendo participações nos programas de Imperial e ajudando a organizar a plateia, ele conhece Tereza (Ísis Valverde). Encantado pela moça, depois de algum tempo eles engatam um romance - que viria a se tornar sua primeira esposa. O talento inegável e o jeito malandro (e, por vezes, convencido) o destacavam e, aos poucos, sua estrela começou a brilhar. Ao ser convidado pela lendária dupla de produtores Miéle (João Velho) e Bôscoli para cantar no Beco das Garrafas, vieram os primeiros sucessos, os shows com casa lotada e o dinheiro começou a entrar. A família aumentou, com o nascimento de seu primeiro filho, e Simonal já não cabia apenas nos pequenos shows: o famoso episódio do Maracanã, onde o cantor não era a apresentação principal porém roubou a platéia para si, é apresentado em trechos de filmagens originais.
Simonal (Boliveira) foi um fenômeno popular na década de 1970 |
A carreira meteórica, porém, começou a ruir aos poucos. Em casa, a esposa sentia-se sozinha e negligenciada; por isso passou a gastar a fortuna do marido com compras e a abusar de calmantes. Simonal também enfrentou episódios ruins na carreira, que se tornaram o grande motivo se sua decadência: no filme, sua canção em homenagem ao pastor americano Martin Luther King Jr. atraiu a atenção do DOPS - afinal, o ano era 1967 e os artistas estavam sob vigilância constante (quando não censura). Daí surgiu uma inusitada amizade com o agente, e que viria a ser crucial para a derrocada: o episódio do sequestro de seu ex-contator, Taviani (Bruce Gomlevsky), e decorrente processo e prisão do cantor foi o começo do fim. Por sua ligação com o agente, foi acusado pela opinião pública de delator - e após esse episódio, sua carreira nunca mais teve o mesmo sucesso.
Infelizmente, o longa de Leonardo Domingues não consegue cativar a audiência como o próprio cantor fazia. De fato, é notável que o carisma do cantor, aliado ao talento, era o que o fez tão grande em uma época tão difícil - mas é exatamente nesse ponto que o filme peca. Boliveira é um excelente ator e acerta no tom, tanto no drama quanto na famosa "pilantragem" de Simonal, mas há muitos altos e baixos no resto do elenco. Mas o que incomoda, na verdade, é o distanciamento que o filme imprime em relação à história do cantor: se não acusa, tampouco defende; não crucifica porém não abraça - no fim, o roteiro desperdiça oportunidades. Não explora o ponto mais controverso da questão (o envolvimento - ou não - do cantor com os militares), pouco fala sobre o cenário político da época e o contexto em que a ascensão do cantor se deu, a família quase não participa da trama - exceto Tereza, em picos de tensão da trama. E nem mesmo a trilha sonora, tão cheia de hits e suingue, é capaz de amenizar o final extremamente melancólico. Uma pena.
A excelente trilha sonora é o que fica na lembrança |
Ainda assim, vale a pena ir ao cinema assistir Simonal por diversos motivos: o primeiro, e maior deles, é ser (re)apresentado a uma voz inigualável (a trilha sonora sendo assinada pelos dois filhos dele que também se tornaram músicos, Simoninha e Max de Castro, é mais uma bela homenagem) cuja alegria embalou multidões. Segundo, é preciso resgatar a memória de um personagem rico e controverso, já que sua história foi praticamente apagada. Terceiro, apesar dos pesares, é preciso valorizar o cinema nacional, as nossas histórias, os nossos personagens.
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