Por Ana Beatriz Marin
Sutileza é a palavra-chave que descreve o filme Retrato de uma Jovem em Chamas, escrito e dirigido por Céline Sciamma, e que estreia nesta quinta-feira (9). Ambientado na França de 1770, o longa narra o encontro da pintora Marianne (Noémie Merlant) com a introvertida Héloïse (Adèle Haenel), prometida a um homem italiano que não conhece. Marianne é contratada pela mãe da jovem para fazer um quadro da filha, que será enviado ao pretendente antes do casamento. Porém, após ser retirada do convento onde se encontrava depois da morte da irmã, ela se recusa a posar. A solução, então, é se fazer passar por dama de companhia.
A paixão que vai surgindo lentamente entre elas cresce à medida que se conhecem. Mas nada é mostrado de forma óbvia – e esse é um dos grandes trunfos do longa. Nos primeiros momentos juntas – principalmente na praia, onde os passeios ocorrem –, as conversas entre Marianne e Héloïse ajudam a dissimular o verdadeiro objetivo da pintora: reparar em cada detalhe do rosto da jovem e em seus trejeitos. Os planos empregados e os movimentos de câmera foram escolhidos para deixar claro os artifícios que Marianne usa para conseguir captar o que deseja. A princípio, temos a impressão de que Héloïse não se dá conta do que acontece. Mas, às vezes, nada é o que parece ser...
Ao longo da trama, os diálogos mudam – deixando claro que elas prestam muito mais atenção uma à outra do que supunham – e a troca de olhares se intensifica. Nos momentos de silêncio, nada mais é necessário dizer: a paixão chegou e, com ela, o medo. O filme de Sciamma, que ganhou o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes e a Palma Queer (também concorreu ao Globo de Ouro como Melhor Filme Estrangeiro, mas perdeu para Parasita, do sul-coreano Bong Jon Ho), mostra os caminhos que as duas percorrem para superar o temor até se entregarem ao amor.
Marianne (Noémie Merlant) e Héloïse (Adèle Haenel) não resistem à paixão |
A diretora Céline Sciamma usa ainda a trágica história de amor de Orfeu e Eurídice como metáfora do encontro de Marianne e Héloïse. Na mitologia grega, Orfeu, um jovem e talentoso músico, vai ao mundo dos mortos resgatar a amada, morta precocemente após ser mordida por uma serpente. A condição para trazê-la de volta é que Orfeu não olhe para o rosto da amada antes de verem novamente a luz do sol. Mas ele não resiste... e a perde para sempre. Para não dar spoiler, digamos apenas que esta releitura está no filme. Na cena final.
Por fim, o elenco de Retrato de uma Jovem em Chamas é completamente feminino. Além das protagonistas, surgem ainda a atriz italiana Valeria Golino, como a Condessa, mãe de Héloïse; e Luàna Brajami, como a empregada que acaba se tornando cúmplice silenciosa do romance entre Héloïse e Marianne. Céline Sciamma contou ainda com mulheres na produção e na fotografia.
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