terça-feira, 3 de março de 2020

Crítica: Fim de Festa



Por Ana Beatriz Marin

Hilton Lacerda partiu do assassinato da alemã Jennifer Kloker, ocorrido no pós-carnaval de 2010, na região metropolitana de Recife, para escrever o argumento de Fim de Festa, que estreia nesta quinta-feira (5). À medida que o roteiro foi sendo gerido, porém, ele foi se distanciando dos fatos. Ficou, no entanto, a premissa: "a ideia de um crime que 'descarnavaliza' a cidade como uma grande ressaca", explica. É Quarta-feira de Cinzas, e o policial Breno Wanderlei (Irandhir Santos) retorna antecipadamente das férias para desvendar a morte brutal de uma turista francesa. Chega cansado, melancólico e triste - estado emocional do qual não se libertará -, e encontra o filho Breninho (Gustavo Patriota) dormindo em sua cama com outros três amigos, em clima de sexo, drogas, amor livre e... ressaca. O clima de fim de festa permeia todo o longa, mostrando o inevitável: a vida continua.

Este é o segundo filme de ficção de Lacerda, após o celebrado Tatuagem (também protagonizado por Irandhir Santos), Mas, se no longa de 2013 o clima era de festa e esperança, devido à abertura democrática (e apesar da repressão), neste novo trabalho a atmosfera é mais melancólica. O diretor flerta com o gênero policial, e Breno é representado como um detetive solitário e atormentado por um episódio conturbado do passado - um clássico dos filmes noir. Em paralelo, Breninho e seus amigos se preparam para a eminente separação após o fim do carnaval e seus excessos.

O policial Breno Wanderlei (Irandhir Santos, ao centro) investiga a morte brutal de uma turista francesa

Em Fim de Festa, Hilton Lacerda subverte propositalmente o roteiro clássico dos filmes policiais, já que o foco não está na resolução do crime e, sim, nas idiossincrasias humanas, nos relacionamentos pessoais e nas consequências dos atos que cada um comete. Em paralelo à investigação, Breno conversa constantemente com o filho e com o colega Samuel (Ariclenes Barroso) sobre suas dúvidas, inseguranças e questionamentos acerca da vida. E essa é muito mais a tônica do filme. A resolução do assassinato em questão se dá quase que acidentalmente e, rápido, o detetive descobre o que aconteceu e por quê.

Apesar do tom melancólico, não é um filme completamente triste ou pessimista. Há momentos de ternura - como quando pai e filho fumam maconha juntos ou quando os amigos estão no quarto - e de alegria. Esta, retratada nas imagens que Penha (Amanda Beça), a amiga de infância de Breninho, filma para um documentário de fim de curso nos blocos de carnaval. Tudo o que a câmera capta não aparece em outras cenas no filme.

Hermila Guedes e Irandhir em cena: o longa foca nas relações pessoais e nas consequências dos atos dos personagens

Segundo Lacerda, Fim de Festa é uma continuação direta de Tatuagem (e por isso o ator é o mesmo). Uma resposta à pergunta "Como é que vai ser o futuro?", que um jornalista faz ao professor Joubert (Silvio Restiffe) no final do longa de 2013. A história anterior mostra um Brasil alegre e debochado, que caminha para possíveis avanços, algo que não se concretiza neste filme.

O longa foi o grande vencedor do Prêmio Redentor de longa-metragem de ficção do Festival do Rio 2019, celebrado em dezembro. O filme levou ainda o troféu de melhor roteiro.

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