sexta-feira, 15 de maio de 2020

Crítica: Honeyland



Por Ana Beatriz Marin

O uso de um irretocável plano aberto como a primeira imagem de Honeyland dá a dimensão da imensidão das montanhas que cercam o vilarejo de Bekirlija, na região de Ovce Pole, na Macedônia do Norte. Tal opção evidencia também a relação de Hatidze Muratova, protagonista do documentário de Ljubo Stefano e Tamara Kotevska com o lugar. Apicultora, ela vive isolada com a mãe Nazife, de 85 anos, e suas abelhas, das quais extrai o mel de que se alimenta e tira parte de seu sustento. Mora desde sempre ali, conhece canta canto e cada penhasco que, por mais íngreme que seja, lhe é familiar.

Honeyland é um documentário de observação. Ou seja, a câmera filma enquanto a vida acontece, sem interferência dos diretores. De qualquer forma, é nítida a intimidade entre Hatidze e a equipe de filmagem (os dois diretores e um cinegrafista), adquirida e reforçada em três anos de convivência e cem dias de filmagem in loco. O resultado é um belíssimo e sensível registro do dia a dia de uma mulher solitária, que vê sua rotina alterada pela chegada de uma família turca itinerante. A cumplicidade surgida da convivência com os documentaristas permite que eles captem momentos de preocupação da apicultora em relação aos novos vizinhos (em conversas com a mãe, por exemplo) e também de interação e descontração entre todos (quando ela brinca com as crianças - são sete no total - ou compartilha tarefas).

Hatidze vive numa casa sem luz elétrica. Por isso, as cenas interiores, nas quais aparece com a mãe, foram filmadas com luz de vela ou lamparinas, o que reforça o caráter documental da obra. A senhora, muito doente, já não anda e enxerga apenas com um olho. Nesses momentos, acabamos por saber mais sobre os questionamentos de Hatidze acerca de sua vida pessoal. Descobrimos, por exemplo, que ela nunca se casou porque o pai rejeitou todos os pretendentes que surgiram e que tem medo do que pode acontecer com sua vida quando a mãe e os vizinhos forem embora.



Ljubo Stefano e Tamara Kotevska também lançam seu olhar para outras duas questões: a ganância e a relação do homem com a natureza. Se, no início, a chegada da família turca causa uma certa apreensão em Katidze, logo a sensação desaparece e dá lugar a uma convivência pacífica. A apicultora é uma mulher forte, que diz o que pensa, mas é também muito amorosa, principalmente com as crianças, e divide com todos sua comida, suas histórias e seu conhaque. No entanto, Hussein, o patriarca, em algum momento vislumbra a possibilidade de ganhar muito dinheiro com a venda do mel. Com isso, a harmonia começa a se romper, provocando não apenas uma ruptura na relação, mas um enorme e desolador desequilíbrio na natureza.  Poderia ser um roteiro de ficção, mas não é. Talvez por isso mesmo cause tanta empatia no espectador.

Os moradores da região - a localidade onde Hatidze vive fica a 18km da cidade mais próxima, Dorfulija - falam um vernáculo turco antigo, e não conta com legendas, narrações em off ou qualquer outro elemento externo que ajude a explicar a história. De modo que toda a narrativa se dá pela ação dos personagens e pelas imagens.

Honeyland concorreu ao Oscar em duas categorias: Documentário e Filme Internacional. Em fevereiro de 2019, levou o Prêmio do Grande júri do Festival de Sundance como melhor documentário internacional, e venceu nas categorias de Fotografia e Impacto para Mudança.

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