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Janela para uma época





"Antigamente conhecíamos alguém, nos apaixonávamos e casávamos. Agora é preciso ler muitos livros, aprender palavras difíceis, analisar um ao outro... até não poder mais distinguir entre um namoro e um concurso público"

Dizer que Alfred Hitchcock é um mestre seria chover no molhado. Entretanto, rever Janela Indiscreta após 20 anos me fez querer reforçar essa chuva.

Com magistral desenvoltura, Hitchcock mostra que suspense não precisa gerar desconforto no espectador, mas sim transformá-lo em expectador. Com um tom bem humorado, mescla a investigação de um assassinato com uma discussão do novo papel das mulheres na sociedade - que levaria à "revolução sexual", na década seguinte - e as implicações destes efeitos nas relações humanas; apresenta um mundo de transição onde o velho e o novo entram em conflito, alternando entre o cômico e o trágico.

O foco do roteiro é Greenwich Village, local em que vivem diversos personagens observados pelo protagonista,

L.B. Jeffries - interpretado brilhantemente por James Stewart. Jeff apresenta particular interesse pelos moradores solitários, que parecem ter vidas mais curiosas. Ele próprio, aliás, vive um dilema entre permanecer solitário ou dar continuidade à sua relação com Lisa Carol Fremont, em interpretação majestosa de Grace Kelly. Apenas quando a mulher de um dos casais some - e seu marido se torna solitário - é que a atenção de Jeff se direciona ao possível assassinato.

Em um outro nível, o roteiro apresenta a contraposição entre a "nova mulher", feliz e de sucesso que, aparentemente, conquista o que quer - como Lisa e a Srta. Torso, e a angústia daquelas que não conseguem obter o mesmo êxito, como a Srta. Lonelyheart. Mostra também uma maior atividade das mulheres, fato contraposto ao de homens que sequer saem de casa, sendo o próprio Jeff dependente de cuidados femininos. As exceções na "imobilidade" masculina ficam por conta de Tom Doyle e Lars Thorwald, que têm o importante papel de manter o suspense da história. Lars, em especial, representa um possível enfraquecimento do papel masculino na sociedade: um homem incapaz de dispensar os cuidados necessários à sua esposa.
"É frustrante pensar que a única maneira de fazer parte de sua vida é assinar sua revista"

As mulheres dominam a ação do roteiro, mas essa supremacia não para por aí: dominam também na pró-atividade com relação aos relacionamentos. Enquanto Jeff se recusa a mover em um milímetro sua rotina, Lisa engole seu orgulho e, sem abandonar sua individualidade, amplia seus horizontes e mostra para Jeff que ela é, sim, capaz de acompanhá-lo em uma vida de aventuras, fazendo coisas que sequer ele teria coragem. É bem verdade que Lisa acaba dependendo de Jeff para se salvar de algumas enrascadas, apresentando então a importância da cumplicidade para o estabelecimento de laços entre um casal, mesmo em uma sociedade em que os papéis masculino e feminino encontravam-se em transição.

A história ainda coloca em questão a transformação do privado em público, talvez uma questão já em debate na época; em especial, mostra a contradição de Jeff que, na maior parte do filme observa os outros, mas sempre se esconde quando alguém tenta observá-lo. Em determinado ponto, escondendo-se para não ser visto, ele analisa a expressão de seu observado, dizendo que ele está com cara de quem não quer ser observado, de quem esconde algo. Neste mesmo momento, porém, a expressão facial de Jeff diz algo bastante similar a seu respeito.
No fim, fica a dúvida sobre qual seria a verdadeira Rear Window: aquela que Jeff usa para observar Greenwich Village... ou a janela pela qual nós, espectadores, observamos os momentos mais íntimos da vida deste cativante personagem?

Daniel Caetano

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