Faroeste sempre foi um gênero essencialmente masculino. Nos famosos duelos entre valentões sobra testosterona. Talvez até por isso eu tenha uma certa implicância (preconceito?) contra westerns, admito. Não faz muito meu estilo, e acho que a fórmula sempre se repete, sempre exaltando a virilidade dos caubóis (ok, Brokeback mountain é exceção, mas isso é assunto para outro post). O fato é que, provavelmente, eu nem assistiria a Os imperdoáveis se não estivesse nessa lista. Mas, para minha surpresa, o longa de Clint Eastwood, antes de tudo, é um filme com sensibilidade. Bons personagens, uma história comovente e imagens que valem a pena encarar os 127 minutos de projeção. A começar pela bela foto que ilustra este texto. É da sequência inicial, em que William Mundy (Eastwood) enterra a mulher, que acabara de perder para a varíola. Modo mais poético de começar a contar uma história não há.
Agora um pacato fazendeiro, viúvo e com dois filhos pequenos para criar, William nem de longe lembra o homem que cometeu diversos crimes no passado. Ponha na lista explodir um trem, matando mulheres e crianças. As voltas que o mundo dá... Mas sua vida mudou depois de se casar. Claudia devia ser uma santa. Conseguiu afastá-lo da bebida e da marginalidade. Amargurado depois da morte da mulher, não resta muita coisa a Bill a não ser tocar sua vidinha. Até que uma proposta tentadora o faz repensar se não vale a pena se arriscar em uma última aventura. Por dinheiro, claro, para sustentar a família. Mas por orgulho também. Por nostalgia de um tempo que parece agora muito distante. Antológica a cena em que William cai na lama, no meio dos porcos. É a perfeita tradução do estado em que se encontra o outrora temido pistoleiro do Kansas: foi-se o último restinho de dignidade.
Não deixa de ser curioso acompanhar o caubói nessa jornada: para ele, experiente, mas já fora de combate há algum tempo, até montar num cavalo é uma tarefa complicada. E é claro que a gente pode fazer uma leitura maior de tudo isso: pra mim, o personagem é uma piada do próprio Eastwood, que sabe que já não é mais nenhum garoto. Logo ele, que se tornou astro em filmes de faroeste, cavalgando e atirando como ninguém. O tempo passa para todo mundo, meus caros... Sorte que o ator e diretor é bastante espirituoso. Como contraponto, o jovem Kid, apesar de toda sua determinação, não é lá muito útil na jornada: disposto a ganhar uns trocados para matar dois malfeitores, ele não tem experiência alguma e, além de tudo, é meio cego. Adoro!
Entre tantos tipos interessantes (e atuações excelentes, como as de Gene Hackman e Morgan Freeman), vale ressaltar aqui que as prostitutas neste filme têm um papel bastante especial. Por um lado, são tratadas como propriedade pelo dono do estabelecimento e por Little Bill (Gene Hackman), tanto que são comparadas, literalmente, a potros. Por outro, são mostradas como pessoas com direito a sentir raiva e querer justiça, como qualquer ser humano, e dignas de respeito. Talvez haja até um certo exagero quando o ex-cruel-e-perverso William conversa com a moça atacada no início da história e se comporta como um verdadeiro gentleman. Mas não deixa de ser bonito quando ele diz a ela que os dois são parecidos: "Nós dois temos cicatrizes". E quem não tem, não é mesmo? Um cadinho de sensibilidade sempre cai bem, mesmo entre os mais viris.
Apesar de todas essas considerações, sei que os meninos devem ter vibrado mesmo é com o embate final, em que vemos um pouquinho do velho William em ação. Mas ele não veio à tona por um trabalho encomendado, não foi o dinheiro que o motivou. Como nos velhos tempos, a emoção falou mais alto. E a saída, triunfal, não poderia ter sido melhor. O mito ainda está vivo, né não, seu Eastwood? Envelhecer sim, perder a dignidade, jamais.
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