Tudo sobre minha mãe é daqueles filmes que só podem ter uma assinatura: Pedro Almodóvar. É praticamente impossível imaginar qualquer outro diretor levando essa história, ao mesmo tempo tão improvável e tão crível, para o cinema com tanta segurança e sensibilidade. É até difícil convencer alguém com esse argumento: uma mãe que perde o filho no dia do aniversário de 17 anos, em pleno luto, tenta dar a notícia ao pai desaparecido, que agora atende por Lola e que engravidou uma jovem freira. Dizendo assim, parece se tratar de um roteiro de quinta, que não caberia nem em novela mexicana. Mas tudo na tela transpira verdade, e o filme é tão envolvente que, quando acaba, você só consegue dizer: "Nossa!". Porque, apesar da trama tão peculiar e de personagens únicos como esses, o longa fala é de sentimentos. E esses são universais.
A dor de uma mulher que vê seu filho partir de uma maneira estúpida. A dor de uma mulher que vê a pessoa amada se afundar nas drogas, prejudicar a carreira e destruir o relacionamento. A dor de uma mulher que é obrigada a esconder a gravidez de Deus e da família. A dor de uma mulher que não nasceu mulher. Todas essas histórias, que se cruzam continuamente durante os 101 minutos de projeção, são capazes de emocionar o espectador mais frio. E também o mais conservador. Porque o mais lindo no filme é que não há estereótipos, não há julgamentos, não há preconceitos. Não há certo e errado, embora todos errem mais do que acertem.
O objetivo também não é chocar. As palavras chulas são perfeitamente cabíveis em cada situação e em cada personagem. O casal lésbico mal se anuncia como tal: a questão é colocada com uma sutileza que eu nunca vi antes. Fica evidente que se trata de um casal como outro qualquer, e a homossexualidade ali não é uma questão a ser discutida ou bandeira a ser levantada. E o transsexualismo é visto sob a ótica do humor, mas sempre com respeito. Antes de tudo, são as pessoas que importam. E Almodóvar tem a sorte de contar com um elenco estupendo para nos convencer disso.
Cecilia Roth, que tem a maior responsabilidade de todas, consegue construir uma Manuela vulnerável e forte. É difícil não chorar com ela. Marisa Paredes, Penélope Cruz e Candela Peña também estão excelentes, mas é mesmo Antonia San Juan que rouba a cena toda vez que tem oportunidade. Agrado ("Me chamam Agrado, porque toda a minha vida sempre tento agradar aos outros") é a personagem responsável pela parte cômica do filme, e a atriz realiza muitíssimo bem a tarefa. É sempre divertido vê-la em cena. Mas, no diálogo no teatro, ela também emociona. Depois da piada, que lhe é natural e faz parte do seu carisma, vem o que ela realmente pensa da vida - e que nos faz pensar também. "Custa muito ser autêntica, senhora. E, nessas coisas, não se deve
economizar, porque se é mais autêntica quanto mais se parece com o que sonhou para si mesma". Será que alguém que sempre tenta agradar aos outros consegue ser autêntico? A que preço?
Mas o roteiro e as atuações não são os únicos acertos da produção. Almodóvar nos conta essas histórias incríveis de uma forma não menos do que bela. Seja em planos inusitados como Esteban (Eloy Azorín) escrevendo sobre a câmera ou metafóricos como os longos túneis que representam as constantes fugas de Manuela. Sem mencionar, é claro, a antológica cena do atropelamento, linda, linda. Mas não pude deixar de notar também que, em dois momentos diferentes, vida e morte se entrelaçam de maneira forte no filme. Sempre tendo o hospital como cenário. A primeira, quando o adolescente é declarado morto, e seu saudável coração garante a sobrevida de um desconhecido. A segunda, quando Rosa está prestes a dar à luz. Em vez do parto, o que vemos é um enterro. Um Esteban morre, para que alguém viva. Alguém morre, para que outro Esteban nasça. Parece haver um certo equilíbrio aí. Um equilíbrio estranho, como tudo nesse mundo.
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