Primeira dúvida do mês dos remakes: fazer um post para cada filme ou um texto para ambos? Acabei decidindo que seria mais interessante comparar original e refilmagem e vi os dois de uma tacada só. Foi mesmo a melhor solução, porque pude perceber como se tratam de obras totalmente diferentes! Uma saída de mestre tem apenas a mesma espinha dorsal de Um golpe à italiana: um roubo ousado em meio a um gigantesco engarrafamento e seguido por uma sensacional fuga em três adoráveis Mini Coopers. Mais nada.
O clássico britânico de 1969 traz sir Michael Caine como Charlie Croker, um ladrão recém-saído da prisão, que resolve levar adiante o ambicioso plano de um amigo, morto num acidente: realizar o maior roubo da história. Para isso, ele precisa da ajuda financeira de Mr. Bridger (Noël Coward), um personagem fascinante, já que, mesmo preso, é uma figura poderosíssima: é bajulado na cadeia, controla todos ao seu redor e até reclama com o governador quando é importunado. O fino humor (inglês, of course) com que isso é mostrado dá ao filme um sabor extra, assim como a personalidade de Croker nos ganha pouco a pouco. Mulherengo, perfeccionista, impaciente, ele é, indiscutivelmente, o protagonista. O restante é elenco de apoio.
Desde o início, também fica claro que toda e qualquer ação se desenrola em torno da expectativa do tão esperado golpe. O que nos leva a um paradoxo, já que muitos detalhes são contados ao espectador o tempo todo, diminuindo um pouco o impacto do trabalho em si. A famosa perseguição nos Mini Coopers também me pareceu excessivamente longa. Nessa sequência, senti muita falta de closes nos atores e de uma trilha sonora forte, que ajudariam no ritmo e dariam mais coesão à história. Mas a deliciosa "Getta bloomin' move on", de Quincy Jones, nos minutos finais até que compensa.
Já na versão americana de 2003, o personagem Croker, agora vivido por Mark Wahlberg, numa atuação burocrática, perde muito em importância. Apesar de ser o principal nome do elenco, ele tem até menos peso para a história que Stella (Charlize Theron, a melhor em cena) e o antagonista, Steve (Edward Norton, surpreendentemente canastrão). Sem contar que os coadjuvantes aqui ganham bem mais espaço. É um filme de ação, sem perder aquele clima de "gangue" que garante a cumplicidade entre público e personagens.
É interessante prestar atenção na forma criativa, ainda que condescendente, com que o roteiro de Donna e Wayne Powers utiliza a matéria-prima escrita por Troy Kennedy-Martin. Obviamente, a Itália deveria ser um cenário. Em vez de Turim, Veneza. John Bridger (participação especial de Donald Sutherland) é agora um ex-presidiário. Mas ele não financia golpe algum, ele é parte do grupo, um ladrão experiente, prestes a realizar seu último roubo, um cara consciente de que não foi um bom pai para Stella. Arrependido, talvez. Bem próximo da redenção. Charlie, por sua vez, é como um filho para ele. Ouve seus conselhos e segue a linha do "bom ladrão": idealiza o golpe para que não seja disparado nenhum tiro.
Além disso, todos no bando querem uma vida melhor. Exceto Steve, ganancioso, ingrato, falso, covarde. O único, reparem, que tira a vida de alguém. Percebem a diferença? Agora, o grupo tem um motivo moralmente justificável para ir atrás das barras de ouro: justiça. E até mesmo a punição, já esperada numa trama como essa, não fica com os "bonzinhos" do grupo, mas sim com os ucranianos que não perdoam. É inegável que essas modificações tiram boa parte do charme da história. É como se fosse um filme de ladrões politicamente correto, o que é incoerente por natureza. Mas, na visão americana da coisa, torcer pelos "caras maus" não é bem visto.
Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que as novas subtramas ampliam consideravelmente o escopo dramático da narrativa. O principal ganho é a relação conturbada entre John e Stella, mas a nova dinâmica garante também mais tempo para conhecer os personagens secundários e mais cenas de ação. Outro ponto positivo é que o desenrolar da trama é mais lento. O tal golpe à italiana acontece logo no início, mas o grande evento ainda estava por vir. Bem planejado, mas com alguns imprevistos no meio do caminho. E o que é melhor: sem tanto falatório, com mais imagens.
A direção de F. Gary Gray é competente, a edição é bem ágil. Mas, por motivos óbvios, não podemos fazer esse tipo de comparação com o longa de 1969, quando os videoclipes nem sonhavam em nos influenciar a querer assistir a histórias com cortes cada vez menores. O mesmo não se pode dizer do desfecho dos dois filmes: enquanto o remake opta por uma solução simplória, sem-graça e até forçada (um romance precisa de muito mais de uma cena para ser crível), o original optou por um final aberto não menos que intrigante. Certas coisas não se fazem mais como antigamente...
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