Já ouviu falar que determinado filme resistiu à prova do tempo? Pois O Pagador de Promessas é o exemplo genuíno da afirmação. Não apenas em sua temática, mas também em sua execução. De fato, não fosse a ausência de cor e a jovem Gloria Menezes presente seria fácil esquecer que o filme não é um lançamento.
Zé quase perdeu seu melhor amigo em uma tempestade. Uma árvore caiu em seu burro (!), e o bichinho ficou entre a vida e a morte. Após procurar especialistas e tentar todo tipo de medicamento, Zé do burro decidiu fazer uma promessa. Prometeu a santa Bárbara levar nos ombros uma cruz e depositá-la em sua igreja no dia em sua homenagem. Mas onde o lavrador mora não existe nenhuma imagem de Sta Bárbara, logo ele fez a promessa à Iansã sua "versão" no candomblé. O Burro se curou, e lá foi Zé pagar sua promessa, com sua esposa a acompanhá-lo. Contudo, ao saber das condições em que a promessa fora firmada o padre proibiu que Zé entrasse na igreja com a cruz. Como o pagador de promessa se recusou a ir embora antes de "pagar o que deve" ao santo, não demorou muito para o circo se armar. Com direito a imprensa, alto clero, devotos do candomblé, polícia e até malfeitores.
Que a temática é atual, não é novidade. O sincretismo religioso é uma realidade presente na maioria de nós, ainda muitas maioria das pessoas finge haver barreiras e normas para a fé. Especialmente após a proliferação de igrejas evangélicas nas últimas décadas.
Então Anselmo Duarte nos mostra a lavagem da escadaria, a roda de capoeira, o berimbau servindo de instrumento de fundo para a Ave Maria da procissão, tudo na porta da igreja. Duas festas se misturando em uma única fé. O que só torna a aflição e injustiça em relação a Zé mais evidente. Além, claro, da sensação de que as pessoas com menor conhecimento das normas, melhor compreendem a fé. Embora esta esta blogueira não acredite que a barganha seja a melhor forma de expressar e compreender a fé. Mas a preocupação e crença de Zé são verdadeiras.
A direção segura mantém o filme em um ritmo constante. E embora este se passe praticamente todo em uma mesma locação, nunca se torna enfadonho ou repetitivo. O elenco também não erra o tom, e apresenta verdadeiros conflitos internos, determinação, e ações desesperadas. Glória Menezes nos faz alternar constantemente entre torcer ou não, para a esposa que caiu em tentação. Enquanto Leonardo Villar, nos faz ter certeza de sua determinação, tão rápido quanto Geraldo Del Rey nos faz desconfiar de Bonitão.
Tudo reforçado com imagens vistas de cima, que nos fazem pensar que deus (seja ele qual for), está observando tudo. O Pagador de Promessas é um retrato honesto e melancólico de uma parte rica e complexa de nossa cultura, seus impasses e consequências. E eu acreditava que carregar a cruz por sete léguas era tarefa difícil!
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