Se, em seu filme anterior, Charles Chaplin não tinha medo de fazer crítica social, econômica e até cultural, em O grande ditador, o ator, roteirista e diretor consegue ser brilhante com uma ácida sátira política. O fato de ser ambientado em uma nação imaginária não atenua em nada as situações cômicas que usam a figura de Hitler como base para um forte discurso contra o totalitarismo. Aqui não vale a máxima da "mera coincidência": a história da ficção não seria tão interessante se não fosse inspirada na realidade. Não fosse esta realidade tão cruel e de consequências tão terríveis, poderíamos dizer sem medo que o ex-governante alemão teve o destino que merecia. Glória? Não, virar motivo de piada mesmo.
Um dos grandes acertos do filme é usar com parcimônia o conhecido recurso da comédia de erros. Assim, o barbeiro judeu e o tirano Adenoid Hynkel, ambos vividos por Chaplin, coexistem pacificamente até o momento crucial da narrativa, já bem próximo ao desfecho. Embora idênticos fisicamente, os dois não poderiam estar em lugares mais opostos: o de oprimido e o de opressor. A distância entre eles é tão grande que um mal sabe da existência do outro.
O ingênuo barbeiro, outrora um soldado despreparado que sobreviveu à guerra por pura sorte, é um dos personagens que retratam a perseguição sofrida pelos judeus. É comovente como ele não parece entender, num primeiro momento, por que as autoridades querem prendê-lo a qualquer custo. Importunado sem motivo por um guarda assim que tenta voltar à vida normal, ele chega a pedir a um colega dele: "O senhor é da polícia? Prenda aquele homem!". Não é culpa dele. A ordem das coisas é que mudou radicalmente. Quanto tempo levou para as pessoas que não sofriam de amnésia se darem conta disso?
Do outro lado dessa pirâmide social, bem no topo, está Hynkel, uma piada ambulante. Inseguro, ele precisa ser auxiliado por ajudantes mais bem preparados em questões militares. Desastrado, ele transforma encontros diplomáticos em incidentes internacionais. Fanfarrão, ele protagoniza uma das cenas mais célebres e debochadas do cinema mundial ao brincar com o globo terrestre até ele explodir no seu próprio rosto. Quem tudo quer tudo perde, já diz o ditado.
Nada mais patético do que assistir a um de seus discursos. Nada mais risível do que sua disputa quase infantil pelo poder com Benzino Napaloni (Jack Oakie). Nada mais deprimente do que vê-lo dando quase nenhuma atenção à notícia de que seus subordinados tinham em mãos um gás capaz de exterminar milhões de pessoas. Aliás, pessoas não: judeus. Talvez por se tratar de uma comédia ou talvez pelo filme ter sido lançado ainda no início da Segunda Guerra, o anti-semitismo foi até atenuado na história. Hitler, devo dizer, Hynkel aparece sonhando com uma nação ariana, loura de olhos azuis, por capricho, simplesmente. As casas queimadas dos judeus são tratadas por seu general como diversão para distrair os cidadãos da própria situação de miséria. Não há ódio, ao menos na ficção.
Mas o grande momento do filme é mesmo quando os papéis se invertem, e o ingênuo barbeiro ganha, inadvertidamente, voz. E é ali que ele faz um discurso melhor do que o ditador de verdade jamais sonhou, com seu gestual exagerado e seu insistente pigarro (ótima piada de Chaplin sobre o idioma alemão e a verborragia do Füher). Seu discurso não precisa de estudo, de memória, de conhecimento político ou estratégia de guerra, ele vem do coração. A palavra esperança é o que o motiva: "Pensamos em demasia e sentimos muito pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade". Ah, essa lição tão bonita e tão difícil...
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