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Modernizar sem perder a ternura

 
As primeiras cenas de Tempos modernos não nos deixam mentir: ao comparar os funcionários de uma fábrica a animais em criadouro, numa simples e poderosa justaposição de imagens, já mostram que a crítica social vai dar o tom do filme. Mas o que é mais incrível é que o longa, assim como todos protagonizados pelo inesquecível Carlitos, não perde o tom lúdico, a leveza nem a graça. É sempre um prazer acompanhar os passos, assim meio tortos, desse vagabundo adorável. 

As clássicas cenas de Chaplin na fábrica dispensam explicação, mas merecem o aplauso: a ganância da indústria pela alta produtividade e pelo lucro, muito reais e muito cruéis, parecem risíveis na leitura que o ator, diretor e roteirista faz da situação. Quer coisa mais patética do que a máquina que alimenta os empregados, poupando, assim, aos patrões preciosos minutos na linha de produção? Aliás, que sistema é esse que reduz pessoas a meros apertadores de parafusos? Tão repetitivos, tão descerebrados, tão superficiais, tão dispensáveis.

Mas a crítica ao capitalismo desenfreado está ainda nas frequentes greves em decorrência das péssimas condições de trabalho, na miséria em que vivem as órfãs, na caça aos comunistas - tudo, claro, tratado com muito bom humor. Os temas são sérios, mas o filme passa longe de ser panfletário. É consciente e ajuda a despertar a consciência da plateia, mas faz isso sendo, antes de tudo, bom cinema. As performances de Chaplin continuam com a mesma essência, de um humor tão inocente que é quase infantil. O roteiro, coeso, não deixa pontas soltas. A trilha sonora, que contém a linda Smile, é impecável e consegue dar alma tanto às sequências mais cômicas como as mais dramáticas. E a mensagem final, de que vale a pena continuar tentando, é das coisas mais lindas de se ver, num contexto tão desesperançoso.

Como se não bastasse tudo isso, vale aqui uma discussão cinematográfica que me lembra muito O artista. Tempos modernos é um filme de transição: mantém toda a aura do cinema mudo ao mesmo tempo em que caminha para o inevitável, o cinema falado. As cartelas continuam, a pantomima e as interpretações um tanto exageradas também. O vagabundo é o mesmo sujeito atrapalhado e divertido de sempre, mas, pela primeira vez, ouve-se a sua voz. Não de uma maneira qualquer. Ele canta, em mais um número divertido, e depois se cala novamente. Vejam bem, o som aqui é puro entretenimento e tem um único propósito: causar o riso. A verdadeira alma do personagem, o que emociona, está no olhar, nos gestos, nas expressões. 

A meu ver, o recado é mais ou menos o seguinte: estou ciente de que existe um recurso novo à minha disposição, mas meu modo de fazer cinema continua sendo o mesmo. Não vejo como uma postura arrogante ou retrógrada, como o grande vencedor do Oscar desse ano retrata o personagem de Jean Dujardin. A reação ao novo é natural, mas Chaplin não foi teimoso para rejeitar a mudança. Ao contrário: seu primeiro filme falado, O grande ditador, foi um grande sucesso de público. Mas não deixa de ser curioso pensar que Tempos modernos, ironicamente, nasceu ultrapassado. Por convicção, que fique claro. E isso pode ser mais ousado que qualquer modismo.

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