Sobibor



Sobibor (Sobibor, 2019) é uma produção russa que lança um olhar para um fato histórico pouco disseminado: o único levante bem-sucedido ocorrido em um campo de concentração da Segunda Guerra Mundial. Baseado no fato, o drama explora os últimos dias da instalação a partir da chegada de alguns personagens ao local e o encontro com alguns resistentes. O horror e a crueldade se tornam combustível para a esperança e para as medidas mais desesperadas na luta pela sobrevivência. O filme foi o candidato da Rússia na categoria Melhor Filme Estrangeiro na edição do Oscar 2019 (não chegou a ser indicado).

O campo de Sobibór recebe mais um trem com prisioneiros. A maioria é consciente do perigo que é chegar ali, mas ainda há mulheres e crianças entre eles. Logo a triagem é feita, e aqueles que não são úteis são encaminhados às câmaras de gás. É assim que o filme começa, com uma brutal sutileza: uma queda brusca na realidade dura daqueles confinados. Aos poucos nos acostumamos com as línguas diferentes (são cinco os idiomas falados no filme: russo, alemão, polonês, holandês e iídiche) e os rostos do grupo principal de protagonistas. Apenas alguns vão permanecer conosco até o fim do longa.

Pechersky (Khabensky): o ex-oficial soviético que liderou a revolta
Nesse texto, eu vou me  propor a refletir sobre o impacto causado pelo filme, uma vez que a sinopse pode ser encontrada facilmente na internet e o panorama geral pode ser apreciado no trailler do filme. Baseado no livro de memórias de Alexander Pechersky, o oficial soviético que foi líder da revolta, o roteiro de Michael Edelstein, Anna Chernakova e Ilya Vasiliev consegue harmonizar com maestria dados recolhidos de pesquisas (inclusive com consultoria do instituto fundado por Pechersky para manter viva a história de luta em Sobibór) e drama ficcional, realçando o poder da união e da perseverança. Interpretando o papel principal, o ator e também diretor  do longa Konstantin Khabensky, imprime um olhar atento, como o de um verdadeiro soldado, às nuances determinantes para o sucesso da empreitada.

O que foi decisivo para que a fuga organizada por Pechersky fosse bem sucedida e as demais não? Esse parece ser o tom da narrativa, o olhar intrigado sobre esse fato. E a resposta parece simples: planejamento e organização. Apenas parece. Pechersky era um soldado sobrevivente de outra tentativa frustrada de fuga, e aprendeu com os erros - mais do que isso, aprendeu o que precisava observar para obter sucesso. E sua fama acendeu uma centelha de esperança aos que ali estavam: novas pessoas, ainda pouco castigadas/amedrontadas pela dura rotina de trabalho e punições, foram o início da operação. Ele podia organizar, mas aquelas pessoas não eram soldados, não foram treinadas para o combate. Elas só queriam uma chance de viver.

Execuções sumárias por tentativa de fuga: um dos muitos horrores mostrados no longa
Mas como conseguir organizar uma revolta e salvar a todos se eles mal conseguiam se comunicar entre si? Além das dificuldades para se reunirem (e sempre sob o medo de serem denunciados por alguém com medo de punições ou de serem pegos pelos vigias), muitos vinham de locais distantes e não falavam o idioma. A máquina continuava funcionando, mas Pechersky conseguia perceber os sinais de que ela não andava tão bem. As rotinas tem seu lado positivo, mas também torna quem a cumpre vulnerável, previsível. A arrogância e o menosprezo pela inteligência dos capturados fez dos oficiais alemães um alvo possível. O que faltava para tudo acontecer?

Oportunidade. A chance de pôr um plano em andamento. Era certo que, se algo desse errado, a vida de todos seria ceifada - de um jeito ou de outro. Portanto, não havia margem para a falha, e o que falhasse, tinha que ser consertado. Aqui temos o diferencial do filme: os pequenos atos de bravura que vão resultar no sucesso da operação são o cerne da narrativa. Tudo teria dado errado se uma daquelas peças não fizesse a engrenagem funcionar - e são muitas as vezes em que tudo quase foi por água abaixo. Muitos deram a vida para que a fuga acontecesse e sequer puderam atravessar o portão. Todos se arriscaram e poucos sobreviveram. É difícil, quase impossível, não se emocionar com cada drama, cada perda, cada vida ali representada.

 Karl Frenzel (Lambert) à frente dos soldados nazistas: atuou em inglês, mas foi dublado em russo
É interessante notar, também, que o longa não deixa de lançar um olhar humano também aos soldados. Não é algo que suavize o comportamento dos nazistas (até porque nada justifica o horror da guerra que eles criaram e dos campos de concentração), mas é interessante ver que Pechersky soube perceber nuances no comportamento deles que os revela não somente como máquinas de matar. A arrogância, a saudade de casa, a falta de um objetivo concreto para si: por mais sádicos que fossem, em algum momento eles foram homens comuns - e a guerra tomou algo deles também. Isso fica bem claro no personagem de Christopher Lambert (que interpretou em inglês, mas foi dublado em russo na edição final), o comandante do campo Karl Frenzel. Jamais saberemos se o verdadeiro homem teve seu momento catártico como ele, mas é importante que a cena em que relembra a esposa morta exista justamente para que possamos analisar a ótica torta pela qual ele se baseava.

Com atuações impactantes de todo o elenco, personagens cativantes e inspiradores, embalados em uma belíssima fotografia e produção (de cenário, figurino e maquiagem), a direção segura e perspicaz de Khabensky brilha, ressaltada pela ótima edição. Sem nos poupar dos horrores nem das dores, Sobibor não faz dessa sua bandeira: o objetivo de Pechersky em vida era de que aquela vitória não fosse esquecida, que aquelas pessoas fossem lembradas - e Khabensky conseguiu transformar a história em um filme memorável. Merecia mais indicações a prêmios internacionais do que conquistou. Vale a experiência, tão triste, sufocante e enriquecedora, que só o cinema é capaz de nos trazer.

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