Na minha memória, a batalha do abismo de Helm em As duas torres durava muito mais tempo do que realmente dura. Acho que isso se deve não só ao brilhantismo de toda a sequência da luta propriamente dita, mas ao clima que antecede o combate e à sensação indiscutível de que não há mais como escapar da luta. Toda a ambientação é cuidadosa e eficiente: as crianças se preparando para empunhar espadas, a revolta de Eowyn (Miranda Otto) em não poder participar da guerra, a chegada e a morte dos elfos, a implicância entre Legolas e Gimli, os segundos de pânico de Aragorn ao notar que um orc se aproximava com explosivos do único ponto fraco da fortaleza, a declaração do soldado de que iria até o fim com seu rei. E tudo é tão grandioso e complicado de filmar, e o resultado é tão
convincente e emocionante (mais do que apenas bonito, plasticamente
falando) que me convenceu que o segundo filme da trilogia é o meu
preferido.
Claro que há outros motivos envolvidos. Agora que já conhecemos os personagens, suas motivações e as complicações que vão encontrar pelo caminho, fica muito mais fácil embarcar nessa jornada com eles. Já somos iniciados. E há ainda uma outra razão que justifica todo e qualquer elogio que eu venha a fazer nesta resenha: Gollum. O personagem é incrivelmente bem construído, esquizofrênico na medida certa, dúbio, provocador, digno de pena e de ódio em momentos alternados, abusado. Não há como ser indiferente. E como se não bastasse o delicioso material criado por J.R.R.Tolkien, Peter Jackson utiliza corretamente a então inovadora técnica de captação de movimentos a partir de um ótimo (e injustiçado) ator, Andy Serkins.
A combinação é explosiva, e Gollum/Smeagol vem a ser, eu diria, o melhor personagem do filme. Impossível não ficar hipnotizado por ele sempre que está em cena. Seus conflitos internos mudam com uma facilidade incrível, e o desenrolar dos acontecimentos nos induz a considerá-lo um coitado ou um grande vilão de uma hora para outra. O jogo psicológico que ele faz com Sam é divertido mas também consegue plantar a discórdia entre os hobbits. Tanto que sua fala final, depois de toda a decepção com o "mestre" Frodo, foi o melhor gancho possível para encerrar este capítulo com o máximo de suspense. Do que ele estaria falando? Que perigos os dois teriam que enfrentar? Angústia máxima por mais um ano.
Outro motivo de alegria foi o grande retorno de Gandalf, para mim totalmente inesperado. Claro que seria corajoso matar um personagem importante como ele ainda no primeiro livro, mas a cara de surpresa de Aragorn, Legolas e Gimli foi impagável. E o fato de o agora mago branco ficar meio ausente na história desde o filme anterior tem um efeito colateral interessante. Quando ele diz a Aragorn para esperar por ele ao raiar do sol do quinto dia, a informação fica meio esquecida em meio a tantos acontecimentos. Mas na hora em que o rei Theoden (Bernard Hill) e seu exército estão encurralados, eis que Gandalf ressurge numa cena lindíssima, liderando os cavaleiros de Eomer (Karl Urban). Sem contar na ótima parte em que o velhinho usa seu cajado para libertar o rei do feitiço de Saruman.
Aliás, toda a história envolvendo as terras de Rohan são extremamente bem costuradas, o que dá uma certa unidade ao filme, ao contrário do que acontecia em A sociedade do anel, onde Frodo e seus companheiros seguiam sem rumo e pareciam pular de uma "aldeia mágica" para a outra. Por outro lado, Merry e Pippin, que são o alívio cômico da trama, não só garantem boas risadas na floresta de Fangorn em suas impagáveis conversas com Barbárvore, mas se mostram parte importante desta batalha ao convencer o ent de que eles deveriam tomar parte na luta contra Isengard e Mordor. No entanto, achei excessivas as cenas extras dos hobbits na versão estendida. Por não terem muita ação, acabaram diminuindo um pouco o ritmo da história sem acrescentar informação.
Já a sequência adicional em Osgiliath foi extremamente reveladora sobre um personagem que surge apenas nesse segundo capítulo: Faramir (David Wenham). Só assim entendemos que ele, que captura Frodo e Sam, tem um motivo para querer levar o anel para Gondor, e não se trata de ambição ou mera vingança pela morte do irmão, Boromir. Sempre menosprezado pelo pai, Denethor (John Noble), ele encontrou ali uma forma de finalmente provar seu valor. E, a partir do momento em que ele entende a importância de deixar os hobbits seguirem seu caminho, aceita a morte com resignação e coragem. Sinal de que nem tudo ainda está perdido.
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