Eu tenho algumas - muitas - ressalvas quanto a essa nova versão de Hellboy (Hellboy, 2019), que chega aos cinemas nesta semana. Antes de tudo, é preciso dizer que eu não sou muito fã da primeira versão para o cinema do herói-demônio, mas o enfoque no lado humano e nas relações interpessoais do protagonista com seus companheiros (o verdadeiro foco do realizador Guillermo Del Toro) o tornaram interessante. Pensando que naquele faltava um pouco mais de ação, talvez eu gostasse mais dessa versão - mas não foi bem assim.
O vilão Von Krupt (Joe Harlow): cena já vista antes - mas, dessa vez, com esses efeitos estranhos |
É impossível não fazer o comparativo aqui, e isso é um problemão para o longa de Neil Marshall: presume-se que o espectador já conhece o herói e seu universo, opta-se por uma história que é praticamente uma continuação - mas que contém algumas passagens quase idênticas às do primeiro filme (o que não faz desse um reboot nem uma continuação da saga), muitas cenas de ação e efeitos especiais tem um resultado final bem esquisito - nem bom, nem ruim, mas de gosto duvidoso. No saldo, o olhar mais compassivo de Del Toro para com as coisas incompreendidas e o roteiro melhor estruturado da primeira empreitada soam melhor do que esta nova aventura. Dito isto, vamos à análise da obra em si.
Nimue (Jovovich): a Rainha de Sangue foi traída e jurou retornar para destruir o mundo |
A feiticeira Nimue (Mila Jovovich) tornou-se tão poderosa que virou uma ameaça ao reino de Arthur, na Inglaterra. Quando estava prestes a abrir os portões do inferno e liberar o caos no mundo em que governaria, Nimue foi traída: três bruxas irmãs, com a ajuda do mago Merlin (Brian Gleeson), conseguiram impedi-la. Mas a criatura não podia morrer: mesmo esquartejada, Nimue estava condenada a sobreviver. Seus pedaços foram guardados e separados, e protegidos por séculos - até que algo, ou alguém, viesse para remontá-la.
Hellboy (Harbour) chamado pra briga em ação no México: o começo da trama |
Muitos anos depois, Hellboy (David Harbour) está investigando - por conta própria e contra as designações de seu departamento, o B.P.R.D. (Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal) - o desaparecimento de um amigo. No México, ele descobre que o policial Ruiz (Mario de La Rosa) foi transformado em vampiro e acaba sendo obrigado a lutar contra ele. Ao fim da luta, Ruiz menciona algo que ele jamais tinha ouvido antes: "Anung Un Rama" e algo sobre uma profecia antiga. Sem compreender, e arrasado pela morte do amigo, o Vermelho não dá muita bola para aquelas últimas palavras e vai se embebedar até ser encontrado pela equipe de seu pai, o Professor Broom (Ian McShane).
Hellboy e seu pai humano, Prof. Broom (McShane): sem tempo para o luto |
Broom sabe que o filho gostaria de um tempo para se recuperar, mas o tempo está contra eles. Uma divisão inglesa, parecida com a que eles fazem parte, precisa da ajuda de Hellboy para lidar com ataques de gigantes: três das monstruosas criaturas estão à solta no Reino Unido e precisam ser paradas antes que mais estragos aconteçam. Quando a ação começa, as coisas ficam muito ruins para o diabão - e ele vai precisar da ajuda de sua amiga Alice Monaghan (Sasha Lane), uma jovem e poderosa médium, e do misterioso Major Ben Daimio (Daniel Dae Kim), que aparentemente não vai muito com a cara dele. O trio então vai precisar ligar os pontos e descobrir como impedir Nimue de se remontar e cumprir sua promessa de destruir o mundo.
O Major Daimio (Kim) e Alice (Lane) vão ajudar o Vermelho a desvendar o mistério |
A luta interna entre a humanidade e o lado bestial inegável em Hellboy é algo realmente fascinante e é boa parte da razão pelo qual a criatura de Mike Mignola tem fãs pelo mundo afora - porém esse não foi o caminho escolhido para retratar o personagem dessa vez. A primeira escolha ruim é justamente essa: focar no humor sarcástico e na ação. Ok, talvez fosse intencional para se distanciar do olhar "carinhoso" do projeto anterior, mas resultou num baita tiro no pé. Outra é presumir que o público já está a par do universo mostrado: apesar de ser um clássico dos quadrinhos, o Vermelho não é tão popular quanto outros super-heróis que estão inundando os cinemas recentemente. Para esse público em específico, pode ser meio complicado compreender a complexidade desse personagem e sua trajetória.
Muito pouco do universo de Hellboy é explicado, embora haja muitas referências para os fãs |
Sem o enfoque no drama interno de Hellboy, nos sobra olhar para todo o resto - e o resto foi bem fraco. A começar pela falta de tato na ambientação para quem pegou o bonde andando: é perceptível que há muitos personagens e objetos importantes sendo apresentados a todo momento, mas a gente fica sem saber direito quem, como e porquê. Nimue, por exemplo, é uma personagem interessante por si só - como a maioria dos outros personagens que o Vermelho enfrenta, foi inspirada na mitologia arthuriana, e nos quadrinhos é uma das maiores e mais perigosas vilãs do herói. No roteiro de Andrew Cosby, Nimue é apenas o gatilho para outra coisa e fica subjugada a uma participação mínima e repleta de CGI mal acabado. Para os não-iniciados, soa muito absurda a conexão de Hellboy e a lenda do Rei Arthur (mesmo que ela exista no universo dos quadrinhos). A existência e insinuação de outros grandes vilões diluem a importância de Nimue - e a aparição da Baba Yaga (Troy James/Emma Tate), outra grande vilã dele, é pura perda de tempo. Só serve para confundir a trama, encher linguiça e criar uma sequência risível de luta do diabão contra uma velha caquética e acrobata.
A bruxa russa Baba Yaga (James/State): despropositada e desperdiçada |
Fora isso, incomoda muito o humor fora de hora, a maquiagem pobre e os efeitos grotescos. Se a intenção era dar um ar mais adulto, mais sombrio, e mais distante do clima fantasioso dos primeiros, ficou só meio ridículo e muito nojento. A não ser quando Hellboy se transforma e seus chifres crescem (a cena pode ser vista em posteres e traillers, portanto, não é um spoiler), criando uma figura imponente e diabólica, todo o resto não soa amedrontador ou espetacular. Os personagens secundários são subaproveitados, o protagonista não tem destaque devido, o efeito de ação/reação é apressado demais. Enfim, um desequilíbrio geral.
O carisma do personagem e o esforço dos atores para trazer química ao trio são a melhor coisa do filme |
O que salva Hellboy? Talvez o carisma do personagem, que David Harbour se esforçou para manter. Ele é rabugento, mas sensível. Um monstro, mas de grande coração. Desobediente, mas sempre disposto a fazer o que é certo - mesmo que seja o mais difícil. O espírito do anti-herói clássico exala do personagem e sobrevive, mesmo nessas condições. É preciso dizer também que há uma certa química entre o trio principal: Kim, Lane e Harbour parecem deslocados e unidos, exatamente como seria unir os três tipos tão diferentes entre si. Para mim, é provavelmente a única coisa que me faria ver uma sequência desse longa. Aliás, há duas cenas pós-créditos (espere até o fim) que nos fazem crer que essa possibilidade foi pensada. Há muito trabalho a ser feito se o projeto for adiante, mas o potencial é grande. Quem sabe uma consultoria com o Del Toro faria a diferença e traria o equilíbrio exato para a fórmula dar certo?
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