Em A flor do meu segredo, Léo (Marisa Paredes) é uma mulher frágil e iludida, assim como os romances açucarados que escreve sob o pseudônimo de Amanda Gris. Tão presa ao marido que vive fora, como as apertadas botas que ganhou dele, que se recusam a sair de seus pés facilmente. É difícil se encantar de primeira por ela. Mesmo porque as complicações que a deixam a ponto de desmoronar, à primeira vista parecem fúteis e super-estimadas. Então o quadro complica.
A crise em seu casamento chega a um ponto insustentável, o que afeta sua habilidade de escrever. Agora Léo se interessa por dramas mais verdadeiros, deixando os editores dos romances de Amanda Gris a ponto de processá-la. Sua empregada e "braço direito" parece ter outros planos de carreira. Quando ela ensaia uma mudança, mesmo que pequena (escrever sobre literatura para um jornal), começamos a nos importar por ela e torcer para que esse vislumbre de confiança dure mais que alguns minutos de projeção.
A essa altura você já deve imaginar que a mudança exige da protagonista bem mais do que ela esperava. E o processo é lento e doloroso. Por vezes esporádicos, perdendo muito tempo com as poucas pessoas que a cercam (a mãe, a empregada, o filho drogado da editora), deixando o ritmo do longa arrastado, em alguns momentos.
O talento de Marisa Paredes compensa essas falhas ao apresentar várias nuances de uma mesma pessoa. Que passa de uma escritora frágil e sensível a uma pessoa realista e auto-confiante. Embora de vez em quando a fragilidade se manifeste, em momentos tristes. Nada mais realista, afinal ninguém é completamente uma coisa ou outra, não é mesmo?
O paralelo entre sua personalidade e o que escreve só não é mais interessante que a crítica à indústria literária. Difícil crer o quão detalhado pode ser um acordo entre editora e autor. Neste caso, determina desde temática e estilo dos livros até o tipo de personagens e situações que pode, ou não, ter.
É claro que depois da tempestade vem a bonança. E assim, a duras penas, vemos Léo deixar de ser uma "vaca sem badalo" (uma das melhores analogias já mencionadas no cinema), tomar as rédeas de sua vida e aprender a viver por conta própria. Assim como não foi fácil para ela, para nós também não é tão agradável ver os extremos do ser humano. Mas a lição que vem daí, essa tem muito valor.
P.S.: A melhor amiga de Léo trabalha no instituto de transplantes. Ela ensina aos médicos como abordar os familiares de doadores em potencial, já que informar sobre a morte, e pedir os órgãos de uma pessoa a um parente em uma mesma conversa pode ser uma tarefa difícil. A moça que faz essas encenações se chama Manuela. Mesmo nome e profissão da personagem de Cecilia Roth em Tudo sobre minha mãe. Não pode ser coincidência, né!
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