Pedofilia, homossexualidade, travestismo. Não é segredo para ninguém que questões envolvendo a sexualidade humana são caros para a cinematografia de Almodóvar, e não é diferente em Má educação. Mas os temas incomuns, em especial quando são tratados em conjunto, não estão reunidos apenas para chocar ou retratar caricaturas. A identidade sexual é um aspecto que lhe interessa, mas poderíamos dizer que a condição humana e tudo que a cerca - desejo, culpa, frustração, repressão, realização - é que é sua verdadeira matéria-prima.
Mas não se engane: apesar de falar de coisas simples, essenciais, o cineasta gosta mesmo é de um roteiro intrincado, cheio de curvas e pontos de interrogação, feito um novelo que vai se desenrolando dentro de um labirinto. Neste caso, a história começa com Ignacio (Gael García Bernal), um ator, procurando Enrique (Fele Martínez) um cineasta, propondo que este conte a história da infância dos dois, que se conheceram numa escola católica ainda na infância, quando se apaixonaram um pelo outro e quando Ignacio passou a ser assediado com frequência pelo padre Manolo (Daniel Giménez Cacho).
Tais acontecimentos não só provocariam a separação entre os dois meninos, já que o jovem foi expulso do colégio, como determinariam também uma mudança radical em sua vida: já adulto, ele viraria travesti. Ignacio agora precisa enfrentar a desconfiança de Enrique e seu ceticismo em relação ao projeto. Ao mesmo tempo em que os dois se aproximam, vários fantasmas desse passado nebuloso vem à tona, desvendando aos poucos essa trama mais complicada do que aparenta à primeira vista.
Como de costume, Almodóvar foi muito feliz com a escolha de seu elenco, desta vez predominantemente masculino, que nos brinda com ótimas atuações. Bernal, que se divide entre vários personagens cheios de nuances e mistérios, não decepciona em nenhum momento e dá conta de tamanha responsabilidade, e é bem amparado pelo elenco de apoio. Mas se há tantas qualidades num filme que ousa desse jeito na temática e é bem realizado, por que ele é um dos menos celebrados da filmografia do diretor? Porque nem só de apuro técnico vive o cinema, e quando se fala de um trabalho de Almodóvar se espera um pouco mais de emoção, de identificação com os personagens. Afinal, é isso que torna seus filmes tão especiais.
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