Esqueça as cenas de ação frenéticas e sanguinárias do primeiro filme. Em Kil Bill vol. 2, o ritmo da narrativa se torna mais lento e mais contemplativo. É hora de finalmente entendermos o que aconteceu durante o massacre em El Paso. Dessa vez, contamos com mais do que meros flashbacks: o primeiro capítulo da continuação mostra detalhadamente o que aconteceu durante o ensaio do casamento da Noiva. Seu reencontro com Bill (David Carradine) não poderia ter sido mais amistoso. Seria mesmo? O plano que enquadra algoz e vítima pela primeira vez nos mostra que entre eles há um deserto que se perde no horizonte, seco, árido e sem vida. Os dois agora pertencem a mundos diferentes, e nem o mais terno dos diálogos é capaz de mascarar isso. E a aura angelical da cerimônia, garantida pelo excesso de luz na bela fotografia em preto e branco de toda a sequência, é brutalmente interrompida pelas silenciosas e fatais Víboras Assassinas. Nessa história, não há felizes para sempre.
Depois de eliminar seus primeiros alvos a base de muitos golpes de kung fu e de espada, num ritmo digno de videogame, Beatrix Kiddo (finalmente descobrimos o nome da personagem de Uma Thurman) enfrenta bem mais dificuldades antes de terminar sua lista. Budd (Michael Madsen, que nem de longe lembra o charmoso Mr. Blonde de Cães de aluguel) é, eu diria, seu adversário mais respeitável: em vez de subestimá-la, prepara-se para o confronto e consegue boa vantagem. Seu único ponto fraco: a ganância. Já o embate com Elle Driver (Daryl Hannah), que já no primeiro filme mostrou-se desprezível, garante uma das cenas mais inusitadas e impagáveis do filme. Humor também é fundamental.
Aliás, o capítulo dedicado ao treinamento com Pai Mei também é divertidíssimo. A história do mestre carrasco e do pupilo, já vista à exaustão em tas produções do gênero, fica bem mais interessante com a trilha sonora e os movimentos de câmera que lembram os filmes orientais de artes marciais que Tarantino tanto gosta. As referências são propositais e descaradas, e a intepretação afetada de Gordon Liu dá o tom de caricatura que dá ao filme um pouco de leveza necessária para o equilíbrio com uma trama tão barra-pesada.
Mas o grande momento do filme é mesmo o esperado acerto de contas entre Beatrix e Bill. A sequência em que ela entra de arma em punho e com uma Hatori Hanzo na bainha e é "desarmada" por um oponente inesperado é demais. A expressão de Uma traduz, na medida do possível, a enxurrada de sentimentos que a personagem vive naquele momento: surpresa, raiva, alegria, decepção, alívio. É até difícil imaginar uma pessoa lidando com tudo isso ao mesmo tempo. Enquanto isso, seu ex age com uma falsa naturalidade que chega a irritar.
Carradine, cínico na medida certa, vai da teoria tarantinista sobre super-heróis ao tiro repentino com a mesma calma. A polidez com que se tratam é mais tensa do que qualquer cena de embate dos dois volumes. Todo o caminho percorrido até ali está em jogo: teria valido a pena ou não? A resposta está nos últimos créditos do filme, que apresentam a protagonista. Beatrix Kiddo, também conhecida como A Noiva, Mamba Negra ou Mamãe. Ou seja: Tarantino também sabe ser fofo de vez em quando.
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