Baseado no livro homônimo de Brian Selznic, Sem Fôlego (Wonderstruck, 2018) é um filme lindo - como já era de se esperar ao conhecer a obra que o inspirou. Mantendo a estrutura de duas narrativas paralelas com duas linhas do tempo distintas (porém com similaridades impressionantes), o filme funciona como um bom passatempo apesar de seu ritmo lento. O elenco mirim do filme é o grande destaque, além de uma temática de inclusão social bastante emocionante.
Rose (Simmonds): ela foge de casa para tentar encontrar sua atriz favorita |
Anos 1920. Em preto e branco, acompanhamos a estória de Rose (Millicent Simmonds, uma pérola), uma menina com estranhos hábitos: adora criar miniaturas de prédios e outras construções feitas com papel, vive andando sozinha e recorta quase obsessivamente notícias sobre a grande estrela de cinema Lilian Mayhew (Julianne Moore). Logo a gente percebe que a casa dela não é o mais acolhedor dos lares, mesmo que ela seja rica. Descobrimos que ela é surda quando a vemos levar uma bronca de seu pai por escrito. Logo depois, ela foge de vez. Seu objetivo é encontrar Lilian no teatro onde ela se apresentará, em Nova Iorque. Ela não mede esforços para tanto, mas o encontro não ocorre como o esperado. Ela acaba encontrando refúgio no Museu de História Natural de Nova Iorque, que vai se tornar uma peça-chave no elo entre as duas tramas.
Ben (Fegley): ele foge de casa para tentar encontrar alguma pista sobre seu pai |
Anos 1970. Ben (Oakes Fegley, fofíssimo) acabou de ficar órfão. Ele nunca conhecera o pai, e sua mãe Elaine (Michelle Williams) viveu com o filho a vida toda numa cabana perto da casa da irmã, à beira do Lago Gunflint - uma divisa entre os Estados Unidos e o Canadá. Após a morte da mãe, porém, o garoto se sentia completamente só. Da janela do quarto que dividia com o primo chato Robbie (Sawyer Nunes), ele via sua casa abandonada. Em uma noite de tempestade, e ele pensou ter alucinado sobre ver uma luz acesa no quarto da mãe e foi lá conferir - apenas apara se frustrar ao encontrar sua prima Janet (Morgan Turner, de Jumanji - Bem-vindo à Selva). Aproveitando a ida à sua antiga casa, ele quer passar mais um tempo lá para matar as saudades. Mexendo nos objetos da mãe, encontra algumas economias, sua antiga coleção, e um livro sobre museus com o curioso nome de "Gabinete de Maravilhas". Dentro dele há um recado assinado por um misterioso Danny em um marcador - que pode ser uma pista sobre quem é o pai de Ben.
Jamie (Michael): tagarela, vai descobrir um jeito de se comunicar com o novo amigo Ben e ajudá-lo em sua busca |
Mesmo após um acidente - sua casa é atingida por um raio e Ben acaba recebendo uma parte da descarga elétrica, pois estava ao telefone no momento em que tudo aconteceu - ele não desiste da ideia de desvendar aquele mistério. Tendo que se adaptar a uma surdez (provavelmente temporária) e indo para uma cidade grande completamente sozinho, ele vai contar com a ajuda inesperada de Jamie (Jaden Michael), um menino tagarela e cheio de energia que vai levar Ben a descobrir, sem querer, coisas incríveis sobre como ele tem uma conexão especial com o Museu de História Natural.
Diferente de A Invenção de Hugo Cabret (outro longa baseado na obra de Selznic), eu não havia lido o livro antes da exibição do filme de Todd Haynes - ainda assim, as minhas expectativas estavam altas. Eu me apaixonei pelo estilo do autor, onde as belíssimas e emocionantes ilustrações dos livros não são somente uma representação da estória: elas são parte da narrativa. Haynes acerta em cheio nesse quesito: houve cenas que eu, de cara, identifiquei como reproduções fiéis do livro sem nem mesmo vê-las, de tão parecidas com o estilo de ilustração do autor. Isso foi um alívio. Talvez por isso eu tenha me encantado mais com a parte narrativa de Rose (que é a trama ilustrada no livro) do que a de Ben, que sofreu mais alterações na adaptação. Nada de grave, mas eu sempre acabei esperando ver mais de Rose que de Ben - e não é bem assim que acontece.
Julianne Moore vive uma atriz estrela do cinema mudo, ídola da jovem muda Rose |
A bela e melancólica fotografia em preto e branco usada para retratar a estória de Rose contrastava com a vibrante e quente do verão dos anos 1970, usada quando acompanhamos a aventura de Ben. Ainda assim, ambas refletem bem o desconforto dos pequenos em relação ao mundo que os cerca: tudo lhes parece confuso, estranho, complicado, hostil - porém nada os faz desistir de buscar seus sonhos. O trabalho primoroso de produção de arte e figurino já nos faz crer em indicações a prêmios para esse trabalho. Julianne Moore, destaque estelar do elenco, está discreta em sua pequena participação - e isso acaba sendo um enorme elogio, já que esse é um filme de sutilezas. A forma delicada como trata de uma deficiência até bastante comum - porém pouquíssimo retratada - é um incentivo para que a gente perceba o mundo com outros olhos.
E se em Hugo Cabret a inspiração parece ser a paixão pelo cinema, nesta estória a musa principal deveria ser o fascínio que os museus exercem sobre os curiosos. Aqui, no entanto, o ritmo lento não traduz a sensação de "estar maravilhado" como deveria ser (uma tradução que, neste contexto, me soa mais acertada do que "sem fôlego" para o inglês "wonderstruck") e o lento desenrolar da trama torna-se um tanto cansativo. Ainda assim, recomendo esse filme por conta das atuações do trio infantil e de sua tocante mensagem: no fundo, todos nós nos sentimos um tanto deslocados do mundo - mas basta um amigo, alguém que nos aceite como somos e que nos compreenda, que tudo ficará bem.
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